11/01/2017 - 08H08 - ATUALIZADA ÀS 08H08 - POR AGÊNCIA O GLOBO
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Promotor do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Alexander Araujo de Souza nega em entrevista ao GLOBO que morte de traficante na fronteira tenha motivado racha entre o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), as duas facções mais poderosas do Brasil.
O senhor acredita que o racha entre Comando Vermelho e PCC está na origem dos massacres ocorridos no início deste ano nos presídios brasileiros? Sem dúvidas, há relação direta entre as rebeliões ocorridas em presídios da Região Norte, em outubro do ano passado e no início deste ano, e o racha que se deu entre as facções. Tal aliança entre as facções paulista e carioca se deu há mais de 10 anos, quando Luiz Fernando da Costa (Fernandinho Beira-Mar), líder do Comando Vermelho, cumpriu pena em Presidente Bernardes (SP), entre 2003 e 2005, juntamente com Marcola, líder do PCC. A aliança inicialmente se deu como forma de proteção mútua. Tal aliança evoluiu para o aspecto econômico, relativamente às atividades por elas desenvolvidas, sobretudo o controle das rotas das drogas e o tráfico de armas. A aliança vinha dando alguns resultados econômicos positivos para ambas as facções e se refletiu em pacificação em alguns estados, como em Fortaleza, no Ceará.
Qual foi o motivo do fim da associação entre as duas maiores facções do crime do país? Inicialmente, acreditou-se que o racha se deveu ao assassinato de um traficante transnacional brasileiro que atuava na área de fronteira chamado Jorge Rafaat, o que poderia ocasionar um prejuízo financeiro considerável ao Comando Vermelho no tocante ao controle das rotas das drogas que eram compartilhadas pelas duas facções. Tal assassinato se deu pouco antes do racha entre as facções. Contudo, posteriormente, o próprio PCC lançou um comunicado (um “salve”) explicando o motivo do racha. Neste “salve” fica claro que o racha se deu em razão das alianças que o Comando Vermelho firmou com facções de outros estados, que são inimigas do PCC e que tentam impedir que este se torne hegemônico no país. Isto representou um golpe na pretensão empresarial do PCC em expandir seus negócios e criar um monopólio do crime organizado.
Temos informações de que o PCC já estaria agindo na Favela da Rocinha, em São Conrado, e em alguns municípios do Estado do Rio. Isso é verdade? De fato, já há relatos que apontam para uma incursão do PCC no Rio de Janeiro, em áreas dominadas por facções rivais ao Comando Vermelho, como na Favela da Rocinha, dominada pela facção ADA, bem em alguns pontos do Sul Fluminense. Porém, o Gaeco não tem informações concretas desta atuação do PCC no Rio. Há informações de que há “mulas” do PCC na Rocinha, não gerentes. É uma forma de o PCC, que tem uma estrutura empresarial mais eficiente que as outras facções do país, tentar enfraquecer o Comando Vermelho. Por sua vez, o Comando Vermelho é a facção mais potente do Rio, mas não é a única, e tem que disputar território com outras duas facções. Além disso, no Rio há o fenômeno das milícias, que dominam boa parte da Zona Oeste carioca e se faz presente na maior parte dos municípios. Em São Paulo, ao contrário, a única facção é o PCC, sem que haja concorrência.
Quando o senhor passou a estudar a geopolítica dos grupos organizados de criminosos do país? Sou promotor desde 2000 e atuei quase sempre na área criminal. Em 2010 fui fazer doutorado na Universidade de Roma Tre, na Itália, para estudar as organizações criminosas transnacionais e os perigos que elas representam. Fiquei lá dois anos e pude visitar e conhecer toda a estrutura montada e as estratégias para o combate ao crime organizado, firmando parcerias com várias autoridades. No ano passado, publiquei um livro em italiano chamado “Criminalità organizzata: minaccia alla democrazia e ai diritti fondamentali” (Criminalidade organizada: ameaça à democracia e aos direitos fundamentais), que está sendo traduzido para o português.
O CV construiu alianças com criminosos em vários estados brasileiros. Quais interesses estão em jogo? O Comando Vermelho, que já não respeitava à risca a aliança financeira firmada com o PCC (muitas vezes o CV ficava “devendo” financeiramente ao PCC), celebrou alianças com facções declaradamente inimigas do PCC. As principais alianças foram com o PGC (Primeiro Grupo Catarinense), a FDN (Família do Norte), o Bonde dos 40 (do Maranhão), e o SDC (Sindicato do Crime, do Rio Grande do Norte). Como já dito, isto contrariou o interesse empresarial do PCC de se tornar hegemônico no país e de expandir suas atividades lucrativas para outros estados.
11/01/2017 - 08H08 - ATUALIZADA ÀS 08H08 - POR AGÊNCIA O GLOBO/ÉPOCA NEGÓCIOS/Site Flipboard