Nessa quinta-feira, o sócio da J&F, em depoimento de três horas ao MP, negou que Marcelo Miller o tenha orientado a gravar conversa com Temer
Postado em 08/09/2017 08:45 / Atualizado em 08/09/2017 09:39
Correio Braziliense/Site Estado de Minas
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vai pedir a revogação da imunidade do empresário Joesley Batista e dos demais executivos do Grupo J&F, depois de áudios divulgados na segunda-feira passada. Joesley tinha obtido o perdão judicial após assinar acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República em abril. A decisão de Janot pode abrir brecha para que o empresário e os demais executivos sejam alvo de medidas cautelares e até de um pedido de prisão.
Ontem, o empresário Joesley Batista, um dos donos da holding J&F, ficou pela primeira vez frente a frente com procuradores da República após a revelação de gravações de diálogos dele que atingem o Ministério Público Federal (MPF). Joesley chegou à sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, por volta das 10h. Enquanto isso, Janot passou o dia monitorando, a distância, o depoimento do empresário e dos executivos da J&F Ricardo Saud e Francisco de Assis. Quem esteve com o procurador-geral nos últimos dias afirma que ele estava decidido a revogar o benefício dado aos delatores em razão da gravação entregue pela própria empresa. O veredicto final sobre as consequências adotadas por Janot deve sair hoje.
Joesley chegou ao local acompanhado de outros dois delatores, Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais do grupo, e do advogado Francisco de Assis e Silva. Em depoimento, Joesley negou que o ex-procurador Marcelo Miller, hoje advogado, o tenha orientado a gravar uma conversa com o presidente Michel Temer. Se Miller fez isso enquanto ainda estava no MP, cometeu crime.
Além do esforço para salvar Miller, o empresário também terá de se defender das suspeitas de que agiu de má-fé na delação premiada ao Ministério Público, o que anularia benefícios concedidos a ele.
Os depoimentos de Saud e de Silva duraram cerca de duas horas cada um. O de Joesley, quase três. Tanto na chegada quanto na saída, o empresário conseguiu passar longe dos jornalistas. Quem conduziu a ausculta dos envolvidos foi a subprocuradora-geral da República Cláudia Marques, que é a responsável por reavaliar o acordo de delação premiada firmado pelos executivos. Além de Cláudia, outros quatro procuradores estavam acompanhando os depoimentos.
Ajuda
Na gravação de conversas entregue pela defesa dos executivos, Joesley declarou que Miller o ajudou no processo de delação. Destacou que era alguém importante para chegar até o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. As declarações foram feitas em conversa com Ricardo Saud. “Por isso é que eu quero que nós dois temos (sic) que estar 100% alinhado. Nós dois e o Marcelo, entendeu? É, mas nós dois temos que operar o Marcelo direitinho pra chegar no Janot e pá. Porque nós temos que... Eu acho, é o que eu falei pra Fernanda (advogada), é o que eu falei pro... Nós nunca podemos ser o primeiro. Nós temos que ser o último. Nós não podemos ser... “, afirmou o empresário no áudio.
No depoimento de ontem, ele afirmou que, em um trecho em que comenta o pagamento de R$ 40 milhões a Marcelo, não está falando de Miller, mas sim de Odebrecht, o empresário preso em Curitiba. Disse também que os áudios não foram entregues por engano ao MPF: ele queria que o conteúdo fosse conhecido. Para desqualificar a credibilidade do que foi mencionado no diálogo entre ele e Saud, disse que era “conversa de bêbados falando que a Coreia do Norte vai invadir os Estados Unidos”. Sobre a citação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, a presidente da Corte, ele disse que as declarações são genéricas e não os comprometem. Ele pediu desculpas aos ministros por mencioná-los.
A intenção de Joesley revelada nas conversas, na avaliação do MPF, era de acelerar a delação e a obtenção dos benefícios. Em outro trecho da conversa, ele demonstra segurança em não ser preso e pouco temor às autoridades. “Não tem nenhuma chance. Nenhuma chance”, declarou Joesley.
Rodrigo Janot afirmou que a data provável da gravação é 17 de março, quando Miller ainda estava no cargo de procurador da República. Ao ser questionado sobre a participação de Marcelo Miller no acordo de delação premiada, Joesley afirmou que ele “apenas explicou como era a delação” e indicou “como deveriam ser anexadas as provas no processo”. O executivo também negou que o ex-procurador o tenha orientado a gravar o presidente Michel Temer, durante uma conversa no Palácio do Jaburu.
O próximo a prestar depoimento é o ex-procurador da República Marcelo Miller, que vai hoje à sede do MPF no Rio de Janeiro. Ele já disse que “não cometeu qualquer crime ou ato de improbidade administrativa” e que “está à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos”.
Os novos áudios dos delatores da J&F têm ampla repercussão no meio político e jurídico por conta das pessoas envolvidas. Logo surgiram diversos pedidos para que o acordo de delação firmado com Joesley, Ricardo e Francisco sejam revogados. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu rigor na penalidade em decorrência de uma tentativa de omitir provas. “Acho que a decisão do que aconteceu nesta semana vai aprofundando as investigações, vai esclarecendo algumas polêmicas nos próximos dias em relação à delação da JBS. Mas acho que a Procuradoria vai tomar a decisão correta. A procuradoria tem tomado decisões duras. E eu não tenho dúvida nenhuma que, nesse caso específico, eu já disse isso, depois de ouvir os delatores hoje e o ex-procurador amanhã, a PGR vai tomar uma decisão dura, como tomou em outros casos”, disse Maia.
Mal-estar
As novas denúncias causaram grande mal-estar no Ministério Público, por conta da possibilidade do envolvimento de um profissional que já integrou a equipe da PGR. Dentro do órgão, Miller era extremamente respeitado. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, afirmou que as novas informações não comprometem o trabalho que já foi realizado pelos procuradores no âmbito da Operação Lava-Jato. “Nenhuma instituição está livre de que um representante cometa um equívoco. Nem na Igreja você tem santidade absoluta”, disse.
De acordo com Robalinho, levou-se três anos para criar os acordos de delação premiada, baseados em experimentos internacionais e em pessoas envolvidas em crimes. “O Estado pensou em tudo para se precaver, mesmo em um momento de crise. O resultado é uma legislação benfeita. As provas que foram entregues continuam valendo, enquanto é possível cancelar os benefícios de quem mentiu ou se omitiu”, explicou.
Inquérito
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin mandou à presidente da corte, Cármen Lúcia, pedido de abertura de inquérito para investigar corrupção passiva e lavagem de dinheiro do presidente Michel Temer em decreto que beneficiou a empresa Rodrimar, que opera no Porto de Santos (SP). O ministro argumentou que é necessário sortear um novo relator para o caso, já que não faz parte da Lava-Jato. O Palácio do Planalto afirmou que não houve privilégio à empresa.