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A prioridade na quinta-feira, dia 15, era fechar com urgência os detalhes do minipacote que poderia dar um microempurrão para tirar o país da recessão, mas o presidente Michel Temer interrompeu a reunião com a cúpula de sua equipe econômica, no fim da manhã, para uma conversa que preocupava muito mais. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, havia sido chamado ao gabinete presidencial para tratar oficialmente de uma pauta puramente administrativa, de acompanhamento de políticas prisionais, mas o interesse de Temer eram as primeiras gotas de uma torrente de vazamentos de delações premiadas dos executivos da Odebrecht, que podem atingir não apenas seus homens de confiança e boa parte de sua base aliada, mas ele próprio.
O mistério do que está nos arquivos criptografados da Procuradoria-Geral da República, dito por 77 integrantes da Odebrecht em seus acordos de delação premiada, faz o governo e o Congresso tremerem com intensidade crescente. Se o desgaste até agora foi grande, é inestimável o estrago que podem fazer os depoimentos de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, que tinha contato com presidentes da República e ministros; de Emílio, patriarca da empreiteira; de Alexandrino Alencar, executivo responsável pelo relacionamento com o ex-presidente Lula; e de Benedicto Júnior, que guardava em casa uma planilha de doações eleitorais com nomes de mais de 250 políticos de 24 partidos.
O PREFERIDO
O ex-presidente Lula. Suas relações com a Odebrecht na África ficarão mais claras na delação dos executivos (Foto: Ricardo Nogueira / Editora Globo)
Todos os grupos de poder organizado conhecidos hoje no Brasil estão ameaçados pela delação da Odebrecht e, num cenário mais longo, por outras investigações vindouras da Lava Jato. O que a Odebrecht tem a dizer guarda a capacidade de implodir esses núcleos, por revelar seus métodos de se aproveitar do controle da máquina do Estado e acesso privilegiado a empresas interessadas em negócios. Tomada como amostra, a delação de Cláudio Melo Filho é significativa pelo estrago que as falas de 77 executivos da Odebrecht causarão no PMDB, o partido do governo. Melo Filho citou o presidente Michel Temer 44 vezes, mas suas revelações pegam em cheio mesmo outras figuras grandes do partido, mais especificamente do PMDB do Senado, comandado pelo presidente Renan Calheiros e seus companheiros mais próximos, Romero Jucá e Eunício Oliveira. A trinca aparece como um time coeso, que atua em sintonia perfeita na tarefa de obter favores financeiros da empreiteira, em troca da aprovação de matérias no Legislativo. As revelações fulminam também o grupo de Temer, no qual habitam o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o secretário Moreira Franco, apresentados como “prepostos” de Temer. “Foi ele (Padilha) que recebeu e endereçou os pagamentos realizados a pretexto de campanha solicitados por Michel Temer”, disse Melo Filho.
CAIXA DOIS
A ex-presidente Dilma Rousseff. A Odebrecht poderá explicar melhor como pagou despesas com seu marqueteiro em 2010 (Foto:Ueslei Marcelino/Reuters )
Melo Filho revelou que a Odebrecht entregou dinheiro vivo no escritório de advocacia de José Yunes, amigo e até a semana passada assessor especial de Temer, como parte de um acordo fechado entre Marcelo Odebrecht e o atual presidente da República. Na quarta-feira, Temer recebeu a carta de demissão de Yunes, que se disse lançado a um “lamaçal de abjeta delação” e “enxovalhado por irresponsáveis denúncias”. O ritual de saída de Yunes, incluindo as frases de efeito, segue os manuais do governo para tentar conter um pouco a sangria provocada pela denúncia. Cláudio Melo Filho afirmou à Lava Jato que Temer “utilizava seus prepostos” para conseguir vantagens. Citou Eliseu Padilha como responsável por “operacionalizar” doações eleitorais da Odebrecht para o PMDB.
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Na semana passada, outro ex-executivo, Márcio Faria, que comandou a Odebrecht Engenharia Industrial, disse aos procuradores que se encontrou em 2010 com Temer, o ex-deputado Eduardo Cunha e João Augusto Henriques, lobista do PMDB na Petrobras, para negociar doações eleitorais ao partido em troca de facilidades para a empreiteira em contratos com a estatal, nas diretorias comandadas por prepostos da sigla. Faria afirmou que o encontro aconteceu no escritório político de Temer em São Paulo. Temer afirma que “o então deputado Eduardo Cunha levou um empresário ao escritório”, mas não se recordava o nome. Admite que já conhecia João Augusto. Em 2013, ÉPOCA revelou os negócios que o lobista fechou em nome do partido na Petrobras. Neste caso de 2010, o PMDB levou R$ 10 milhões por ajudar a empreiteira a ganhar um contrato de cerca de US$ 1 bilhão na área Internacional. Outra parte da propina foi entregue a João Vaccari, o então tesoureiro do PT hoje encarcerado em Curitiba.
O PMDB deverá experimentar nos próximos meses dissabores assim, como os que aniquilaram o PT nos últimos dois anos. Na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela quarta vez à Justiça. De acordo com a investigação, a Odebrecht gastou R$ 12 milhões em um terreno para a construção do Instituto Lula, em um negócio intermediado pelo ex-ministro Antonio Palocci, preso em Curitiba. Uma empresa menor foi usada para ocultar a presença da empreiteira. A denúncia aponta ainda que o empresário Glauco Costamarques, que participou da negociação, ainda comprou o apartamento vizinho ao de Lula, em São Bernardo. A Lava Jato descobriu que o imóvel era usado pela família Lula e que Marisa Letícia, mulher do ex-presidente, havia assinado um contrato de aluguel. Mas nunca pagou a fatura. Segundo a denúncia, a origem do dinheiro para comprar o apartamento era, de novo, a Odebrecht.
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ENCONTROS
O presidente Michel Temer. Executivos da Odebrecht citam encontros com ele, nos quais dinheiro para o PMDB foi o assunto(Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
Na prática, a denúncia significa que a Polícia Federal encerrou a investigação e concluiu que havia ali indícios de crime. Com o relatório em mãos, os procuradores decidiram então denunciá-lo. A palavra final, claro, será da Justiça. “O que incomoda a Lava Jato é o fato de Lula e nós, seus advogados, desnudarmos as constantes arbitrariedades e ilegalidades que são escondidas com a ajuda de setores da imprensa que têm interesse de prejudicar a atuação política do ex-presidente”, disse em nota a defesa de Lula. O ex-presidente é acusado ainda de outros crimes, como obstrução à Justiça, pela tentativa de calar o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, de ser favorecido pela construtora OAS no caso do tríplex de Guarujá e de tráfico de influência em favor da Odebrecht no exterior, especialmente em países da África.
As andanças de Lula pela África figuram entre os temas explorados pela delação da Odebrecht. Como ÉPOCA já revelou, a empreiteira levou Lula a dar palestras em países onde tinha seus negócios. Conseguiu com isso não só obras, como alguns financiamentos do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Em troca, Lula levou, além da área que poderia ter sido a sede de seu instituto, doações e a reforma daquele sítio que frequenta em Atibaia, interior de São Paulo, mas no papel pertence a amigos. Lula faz críticas às investigações – em vez de explicar por que aceitou que a Odebrecht reformasse o sítio que usava. Acusa a todos de “lawfare”, uma espécie de guerra na qual todas as instituições se organizam para forjar denúncias contra ele.
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O tormento do PT está na fase em que, para alguns, os recursos de oratória se esgotam e a admissão de culpas é a saída. Na semana passada, enquanto Lula negava as acusações, o ex-tesoureiro petista Paulo Ferreira, preso em Curitiba, admitia o óbvio. Assim como seu antecessor Delúbio Soares – outro que também já esteve em cana –, admitiu o uso de “recursos não contabilizados”. Ferreira falou em “recursos informais” para se referir ao danoso caixa dois. “No Brasil, o exercício da política foi sempre financiado (informalmente), o senhor está vendo isso nas apurações, e financiado por grandes volumes de dinheiro, que ou foram para campanhas ou foram para benefício pessoal das pessoas. Estou reconhecendo aqui que foram pagamentos ilícitos para fim de campanha eleitoral”, disse Ferreira. “Negar informalidades nos processos eleitorais brasileiros, de todos os partidos, é negar o óbvio.”
Marcelo Odebrecht sabia disso. Em 2015, pouco antes de ser preso, ele alertou a então presidente Dilma Rousseff sobre o risco que a Lava Jato representava a eles. Dilma não lhe deu ouvidos. Marcelo prestou mais depoimentos de sua delação na semana passada. Ele pode dar detalhes de como a empresa pagou US$ 11,7 milhões na Suíça ao marqueteiro João Santana por seus trabalhos na primeira campanha de Dilma, em 2010. Pagamento em caixa dois, ou “recursos informais”, como diria Paulo Ferreira. Dilma pode ter ignorado Marcelo Odebrecht na ocasião, mas no ano passado, de acordo com o ex-senador Delcídio do Amaral, ela tentou remediar. Nomeou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o ministro Marcelo Navarro, com o compromisso de ele votar pela libertação de Marcelo – o que Navarro efetivamente fez, mas de nada adiantou.
Dilma gosta de dizer que nunca haverá um ato de corrupção contra ela. Mas, a seu redor, há. Outrora tratado com um filho por Dilma, o assessor Anderson Dornelles é acusado de abusar dessa proximidade para ganhar dinheiro. No Planalto, seu salário era pífio se comparado ao estilo de vida de luxo que ostentava. Seu apelido dentro da Odebrecht, não por acaso, era “Las Vegas”. Cláudio Melo Filho, ex-executivo da empreiteira em Brasília, disse que pagou R$ 340 mil entre 2013 e julho de 2014 a Anderson.
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Assim como afundou o PT e já anunciou seus possíveis estragos no PMDB, a delação da Odebrecht afetará outro grupo de poder, o do PSDB, de apoio ao governo Temer. Delatores da empreiteira já citaram episódios comprometedores para sua cúpula. Oswaldo Borges da Costa Filho, um operador do presidente tucano, senador Aécio Neves, foi citado como encarregado de buscar propinas em troca das obras da Cidade Administrativa, a mais cara da gestão Aécio no governo de Minas – cerca de R$ 1,2 bilhão. A Odebrecht esteve nessa obra. Aécio chamou as acusações de “falsas e absurdas”. Outro dos delatores da empresa disse que entregou R$ 2 milhões em dinheiro vivo para Adhemar Ribeiro, cunhado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Era caixa dois de campanha. Em nota, Alckmin já disse que “é prematura qualquer conclusão com base em informações vazadas de delações não homologadas”. Um ex-presidente da Odebrecht, Pedro Novis, disse aos procuradores da Lava Jato que a empresa deu R$ 23 milhões ao caixa dois de uma campanha presidencial de 2010 do ministro das Relações Exteriores, José Serra. Em nota divulgada na ocasião, Serra disse que não iria “se pronunciar sobre supostos vazamentos de supostas delações relativas a doações feitas ao partido em suas campanhas”.
Se em seu início a Lava Jato atemorizava os envolvidos com a Petrobras, como PT, PMDB e PP, agora ela causa pânico a um público maior, o dos políticos que mantiveram relacionamento com as empreiteiras nas bases tradicionais, da troca de favores subterrâneos. Pior de tudo para eles, a Lava Jato não se encerra na delação da Odebrecht. Há outras investigações paralelas em curso. Especificamente há o ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba, com poder de complementar o que diz a Odebrecht e causar um estrago ao PMDB e ao governo de Michel Temer. Não é à toa que, nas perguntas que encaminhou, Cunha adiantou temas que estão nas mãos da Odebrecht. Para quem frequentou o terreno onde políticos e empreiteiras conviviam, há, portanto, muito com que se preocupar.
BRUNO BOGHOSSIAN E FILIPE COUTINHO/Época/G1-16/12/2016 - 21h25 - Atualizado 16/12/2016 21h35