Em meio à polêmica tentativa de limitar os gastos da União pelas próximas duas décadas, o governo Michel Temer deve conceder novos reajustes a servidores federais até o fim do ano. A divergência entre o discurso de ajuste fiscal e a abertura dos cofres públicos para categorias específicas tem mobilizado servidores que ainda não foram contemplados com reajustes, que prometem pressionar o Palácio do Planalto nos próximos meses.
Temer assumiu interinamente a Presidência em 12 de maio, quando o Senado decidiu afastar Dilma Rousseff temporariamente do comando do país para julgá-la por crime de responsabilidade no processo de impeachment. Em 31 de agosto, ele foi efetivado no cargo depois que a petista foi destituída do Planalto.
Entre os meses de julho e agosto, quando ainda era interino, o peemedebista sancionou reajustes para várias categorias, entre as quais as de servidores do Judiciário, do Ministério Público da União, do Tribunal de Contas da União (TCU), da Advocacia-Geral da União (AGU), do Banco Central, de agências reguladoras e de militares das Forças Armadas.
Esses reajustes devem impactar em cerca de R$ 50 bilhões os cofres da União nos próximos quatro anos. O governo, entretanto, justifica que o aumentos estavam previstos no Orçamento e foram negociados com as categorias pela gestão petista, antes mesmo da chegada de Temer ao Planalto.
Após assumir a Presidência, o peemedebista apostou em um teto para os gastos públicos federais como principal medida para reequilibrar as finanças da União. Para isso, investiu parte de seu capital político para tentar aprovar no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que irá limitar, nos próximos 20 anos, as despesas federais à inflação do ano anterior.
A PEC, que já foi aprovada em dois turnos pela Câmara e agora está sob análise do Senado, se tornou a principal bandeira da oposição contra o governo Temer e serviu de combustível para movimentos sociais e estudantis protestarem contra a gestão peemedebista.
Apesar do discurso do governo de contenção de despesas, a Câmara aprovou recentemente projeto de autoria do Planalto para reajustar os salários de servidores da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF), de peritos federais agrários e de servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit).
Além disso, os deputados também aprovaram, em uma comissão especial, o texto-base da proposta que concede aumentos nos vencimentos das carreiras da Receita Federal, que têm alguns dos salários mais altos do funcionalismo. Por ser terminativo, o projeto deverá seguir direto para o Senado, a não ser que algum parlamentar apresente recurso solicitando que o texto seja submetido ao plenário da Câmara.
Pela proposta aprovada na comissão, o salário base de um auditor fiscal da Receita será reajustado, de maneira gradativa, dos atuais R$ 15,7 mil para R$ 21 mil em 2019. Na classe mais alta dos auditores, o vencimento mensal, sem contar o bônus, passará de R$ 22,5 mil para R$ 27,3 mil.
No caso dos analistas tributários, os menores salários irão de R$ 9,3 mil neste ano para R$ 11,7 mil em 2019. Os postos mais altos dessa carreira terão reajuste de R$ 13,4 mil para R$ 16,3 mil.
O texto que aumenta os vencimentos dos servidores da Receita foi enviado ao Congresso em julho por Temer. Na justificativa do projeto, o governo argumentou que, diante do cenário de ajuste fiscal, o Fisco é capaz de impactar diretamente no Orçamento da União, aumentando a arrecadação tributária.
Os dois projetos ainda precisam passar pelo Senado antes de virarem lei. Nas contas do governo, os reajustes que estão para ser aprovados pelos congressistas impactariam as finanças federais em R$ 2,6 bilhões em 2017, ano em que começariam a ser pagos. O Ministério do Planejamento afirma que esses gastos já estão previstos no Orçamento do ano que vem.
Bônus de eficiência
Além de aprovarem na comissão especial o reajuste nos salários dos servidores da área fiscal e a criação de um bônus de eficiência – como havia proposto o governo federal – os deputados também estenderam essa gratificação extra a outras categorias do funcionalismo.
O texto enviado ao Congresso pelo governo previa o pagamento do bônus aos auditores fiscais e aos analistas tributários. No entanto, ao apresentar parecer na comissão especial, o relator do projeto, deputado Wellington Roberto (PR-PB), expandiu o pagamento da gratificação aos técnicos e analistas-técnicos da Receita e aos servidores do Plano Especial de Cargos do Ministério da Fazenda em exercício na Receita.
O relatório do parlamentar paraibano aprovado pelo colegiado prevê que a base de cálculo do bônus será a arrecadação de tributos, de multas e de bens apreendidos que forem vendidos. Sendo assim, quanto maior a arrecadação de impostos e de multas, maior será o bônus pago aos servidores.
Na última quinta-feira (10), o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, reclamou do fato de a gratificação ter sido ampliada pela Câmara para outras carreiras. Ele advertiu que a despesa não estava prevista no projeto original e nas contas do governo.
“Incorporação de outras carreiras no bônus não estava prevista e não há previsão orçamentária para isso. Nós ainda avaliaremos a questão, mas, em princípio, não há nossa concordância”, ressaltou o titular do Planejamento.
Porteira fechada
Aliado do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou na semana passada que os reajustes aos servidores da PF, da PRF, de peritos federais agrários e do Dnit e da Receita Federal serão os últimos que a Casa vai aprovar neste ano.
Segundo Maia, qualquer nova folga de orçamento deverá ser usada para outras finalidades, como ajudar financeiramente estados e municípios, que passam atualmente por uma profunda crise econômica por conta de excesso de gastos e queda nas receitas.
“Foram os dois últimos projetos. Não haverá mais nenhum tipo de aumento que será aprovado pela Câmara dos Deputados”, advertiu o deputado do DEM na última quarta (9).
“Já avisei ao governo que qualquer outro aumento que for enviado neste momento, acho que vai ficar parado”, completou.
A declaração do presidente da Câmara contraria os interesses de categorias que fazem pressão para também serem beneficiadas com aumentos de salários em 2017.
É o caso dos médicos peritos do INSS. A categoria argumenta que havia fechado acordo com a gestão Dilma, no início do ano, para ter os salários reajustados. Os médicos peritos, contudo, reclamam que o novo governo não enviou ao Congresso nenhuma proposta de reajuste para contemplá-los, como havia sido acertado.
A Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP) informou ao G1 que tem mantido as negociações salariais com o governo federal, mas ressaltou que está preocupada com o atraso no envio ao Congresso do projeto de reajuste. A entidade ressaltou que, conforme o que havia sido combinado com a gestão petista, o aumento já deveria estar sendo pago desde agosto.
A queixa é compartilhada pelos auditores do trabalho, que também cobram aumento em seus vencimentos. Subordinada ao Ministério do Trabalho, a categoria é responsável pela fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista na áreas de segurança e saúde do trabalhador.
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva, ressaltou ao G1 que os servidores da categoria estão em greve desde agosto. Segundo ele, os funcionários aguardam o envio ao Legislativo, por parte do Palácio do Planalto, de projeto de lei autorizando reajuste para a carreira.
Em 2015, os auditores do trabalho fizeram uma greve que durou sete meses. A paralisação só se encerrou em março deste ano, depois que o governo anterior se comprometeu a enviar ao parlamento uma proposta de reajuste para a categoria. O acordo previa aumento de 21,3% nos salários, mais pagamento de bônus de eficiência, negociação parecida com a que foi fechada com os funcionários da Receita.
Para pressionar Temer a cumprir o acordo fechado pela antecessora, os auditores do trabalho reduziram a prestação de serviços, como o plantão de orientação à população. As únicas atividades mantidas pelos servidores envolvem casos de risco de acidentes para os trabalhadores e denúncias de salários não pagos.
"A fala do Rodrigo Maia é um absurdo porque desrespeita uma categoria que, por mais de um ano, negociou legitimamente com o governo. Não desmerecemos a situação dos estados, mas o governo está nos enrolando", declarou o presidente do Sinait.
Itamaraty
Os servidores do Ministério das Relações Exteriores também têm demonstrado insatisfação com os salários pagos pelo governo à categoria. Os funcionários do Itamaraty organizaram vários protestos ao longo do ano cobrando reajustes nos vencimentos, mas ainda não conseguiram fechar um acordo com o governo.
A categoria cobra equiparação salarial com outras carreiras do Executivo, como policiais federais, analistas tributários e agentes de inteligência.
A presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty), Suellen Paz, disse ao G1 que os servidores manterão os esforços para sensibilizar os parlamentares a aprovar o projeto que prevê reajuste de 27,9% nos salários da categoria, ainda que tenham de abrir mão de parte do percentual.
A dirigente da entidade que representa os servidores do Itamaraty vê com desconfiança a ameaça de Rodrigo Maia de fechar as porteiras para novos aumentos salariais. Na visão dela, é "pouco provável" que o Legislativo barre nos reajustes para o funcionalismo.
"Acho pouco provável que isso se efetive na prática, pois restam somente cinco projetos deste tipo. Vai ser muito difícil que o governo não conceda os reajustes", ponderou Suellen Paz.
Procurada pelo G1, a assessoria do Palácio do Planalto afirmou que a Presidência da República está “analisando os pedidos de reajuste salariais "caso a caso" e tem conversado com os ministros de cada área.
Vitor Matos*-Do G1, em Brasília-14/11/2016 05h00-Atualizado em 14/11/2016 05h00
* Colaboraram Gustavo Garcia e Sara Resende