PT e PMDB receberam propina por Belo Monte, diz delator
29/07/2016 08:16 em Política
 
 

 

Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez (Foto: Cassiano Rosário/Futura Press/Estadão Conteúdo)Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez (Foto: Cassiano Rosário/Futura Press/Estadão Conteúdo)

O ex-presidente do Grupo Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo voltou a dizer nesta quinta-feira (28) que a companhia pagava ao Partido dos Trabalhadores (PT) 1% de todos os contratos que fechava com o governo federal. Segundo ele, isso começou a acontecer a partir de 2008, após uma reunião com o então presidente da legenda, Ricardo Berzoini.

Ele e Paulo Roberto Dalmazzo, também ex-funcionário da Andrade Gutierrez, foram os últimos réus a prestar depoimento no processo que apura o envolvimento da empreiteira no esquema de desvios da Petrobras, descoberto na Operação Lava Jato. Os dois são delatores na Operação Lava Jato. Os dois respondem por crimes como organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de capitais.

Durante uma hora e meia, Azevedo contou sobre os repasses feitos nesse período ao PT. Segundo ele, o diretor da Construtora Andrade Gutierrez, Flávio Gomes Machado, foi quem o procurou primeiro, para dizer que estava sendo pressionado pelo então tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, para que a empresa contribuísse com a legenda.

A reunião, conforme Azevedo, aconteceu em São Paulo, e teve a participação de Berzoini, Ferreira e de João Vaccari, que mais tarde assumiria a tesouraria do PT. "A posição colocada pelo Ricardo Berzoini foi de que nós éramos grandes parceiros do governo, que nós tínhamos uma participação muito importante nos projetos do governo e que eles pediam uma colaboração eleitoral de 1% de todos os projetos federais que a Andrade estaria executando e que já tinha executado, de 2003 para a frente, projetos inclusive até já terminados. E também dos projetos já futuros".

Esta é pelo menos a segunda vez que Otávio Marques de Azevedo fala à Justiça sobre essa reunião. Em abril deste ano, em outro processo derivado da Lava Jato, mas que corre na Justiça Federal do Rio de Janeiro, ele também comentou o caso.

Azevedo afirmou que considerou a reunião desagradável. Disse ainda que ao questionar Berzoini sobre qual benefício a empresa ganharia ao dar dinheiro para o partido, ouviu que eles não iriam atuar a favor da Andrade Gutierrez. "Falou que não tinham obrigação de nada, que não iam atuar no sentido de atuar a aumentar ou diminuir qualquer coisa, ou seja, era simplesmente uma atitude de apoiamento a um partido político que estava no governo", afirmou.

Mais à frente, Azevedo também comentou que em 2008 as cobranças não eram tão frequentes. No entanto, a partir de 2010, Vaccari já tinha assumido a tesouraria e começou a fazer cobranças de forma mais persistente, segundo o executivo. "A Andrade era conhecida como má pagadora desses compromissos. Então, isso gerava muita reação do Vaccari, por isso ele ia sempre cobrando. Mas o fato é que foi pago", diz.

Ainda de acordo com Azevedo, a única obra da qual Vaccari foi incisivo ao fazer uma cobrança foi a da Usina de Belo Monte. "Primeiro porque era muito dinheiro, segundo porque estava fora do acordo do Berzoini. Belo Monte era uma empresa privada, não estava no acordo. Porém, como foi feito um entendimento à parte sobre Belo Monte e o Vaccari era o cobrador também, então ele vinha cobrando Belo Monte também.

No caso da usina, Azevedo diz que a propina foi dividida ao PT e ao PMDB. "[Foi] 1% do contrato, dos quais 0,5% ao PT e 0,5% ao PMDB", afirmou, sem detalhar como foram feitos os repasses.

Executivo diz que não sabia da ilegalidade
Azevedo afirmou durante a audiência que não sabia da ilegalidade que estava cometendo. Ele disse que por ele só passaram as doações legais feitas aos partidos. "Eu não tinha a percepção de que eu estaria cometendo um delito em relação a isso. A verdade é que eu pessoalmente fui pressionado a aceitar aquele entendimento em 2008, porém, a contribuição se enquadrava dentro de um processo legal, forma", pontuou.

Embora fosse o presidente da holding, o executivo disse que cabia aos diretores de cada área definir outros valores, sobretudo os repasses feitos aos partidos em períodos em que não havia eleição. Apesar disso, ele diz que não entende por qual razão a empresa acabou adotando a prática. "Em nenhum momento nos foi oferecido um trampolim de relacionamento, porque, inclusive, sinceramente, acho que o grupo não precisava desse tipo de relacionamento", garantiu. Ainda de acordo com Azevedo, em nenhum momento foi feita qualquer ameaça à empresa, mesmo com a suposta fama de má-pagadora dos compromissos.

Outro lado
À época do depoimento de Otávio Marques do Azevedo, ex-ministro Ricardo Berzoini disse que esteve na Andrade Gutierrez como presidente nacional do PT, solicitando contribuição formal e legal, sem nenhuma vinculação com obras ou contratos, para pagar dívidas partidárias. E que as contribuições da empresa estão registradas nas prestações de contas do PT apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nesta segunda-feira (25), quando Flávio Gomes Machado Filho falou sobre o mesmo assunto da reunião, o ex-presidente do PT disse que não iria comentar o assunto, pois não tinha conhecimento das declarações.

O advogado de João Vaccari Neto afirmou em abril que as informações trazidas pelos delatores Otávio Azevedo e Flávio Barra não procedem. E que como tesoureiro do PT, solicitava doações ao partido, que eram depositadas em contas bancárias e declaradas às autoridades competentes.

O PT tem dito que todas as doações foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral.

Próximos passos
Após as oitivas, o processo deve entrar na fase de apresentação dos argumentos finais, tanto do Ministério Público Federal, quanto das defesas.

A partir daí, os autos voltam ás mãos de Moro, que determinará a sentença. Os réus podem ser condenados ou absolvidos, e o juiz não tem a obrigação de cumprir totalmente os acordos firmados pelos delatores.

A Andrade Gutierrez também já reconheceu a culpa pelas irregularidades apontadas nos processos aos quais os funcionários respondem na Justiça. A empreiteira firmou um acordo de leniência com diversas autoridades e se comprometeu a pagar multa civil de R$ 1 bilhão, parcelada em 10 vezes.

Processo suspenso
Este processo chegou a ser suspenso por quatro meses justamente pela negociação dos acordos de colaboração entre os réus e a Procuradoria Geral da República (PGR). A 14ª fase da Operação Lava Jato focou as investigações na Andrade Gutierrez e na Odebrecht, que são as maiores empreiteiras do país.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), as duas empresas agiam de forma mais sofisticada no esquema de corrupção e fraudes de licitações da Petrobras. Esse diferencial, conforme o MPF, estava no pagamento de propina a diretores da estatal via contas bancárias no exterior. Na quinta-feira (28) serão ouvidos Otávio Marques de Azevedo e Paulo Roberto Dalmazzo, também ex-executivos da Andrade Gutierrez.

Os executivos são suspeitos de pagar propina em contratos como o do Centro Integrado de  Processamento de Dados (CIPD) do Centro de Pesquisas da Petrobras (CENPES), no Rio de Janeiro; no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj); na Refinaria de Paulínia (Replan); no gasoduto Gasduc III, em Cachoeiras do Macau (RJ); no gasoduto Urucu-Manaus; na Refinaria Landulpho Alves (RLAM); na Refinaria Gabriel Passos (Regap); e no Terminal de Regaseificação da Bahia.

A empresa afirma, por meio de nota oficial, que tem compromisso de colaborar com a Justiça. “A Andrade Gutierrez mantém o compromisso de colaborar com a Justiça. Além disto, tem feito propostas concretas para dar mais transparência e eficiência nas relações entre setores público e privado.”

 

Samuel Nunes-Do G1 PR-28/07/2016 22h04-Atualizado em 28/07/2016 22h04

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