'O que leva o STF a retardar julgamento por uma década?'
Estadão Conteúdo/Site Estado de Minas
Postado em 11/03/2019 07:37 / Atualizado em 11/03/2019 07:56
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O senador estreante Alessandro Vieira, PPS-SE, disse que vai reapresentar à mesa do Senado, na retomada dos trabalhos, o pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os tribunais superiores de Justiça, no momento arquivado.
O pedido da CPI da Lava Toga, como ficou mais conhecida, foi protocolado na primeira semana de fevereiro, com as 27 assinaturas minimamente necessárias. Como dois senadores as retiraram, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), determinou o arquivamento.
Aos 43 anos, casado, três filhos, o ex-delegado de polícia, por 18 anos, foi eleito, então na Rede, com 470 mil votos e despesa de R$ 70 mil, derrotando caciques da política sergipana. Ganhou, com a proposta de CPI, imediata visibilidade.
Alinhado com o presidente Jair Bolsonaro, na segunda tentativa pela Lava Toga, Vieira vai incluir um voto-vista do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. Proferido no Habeas Corpus 79.441, o voto diz que nem todos os atos do Poder Judiciário estão excluídos da investigação parlamentar. Leia trechos da entrevista.
Por que o sr. vai reapresentar a proposta?
Porque a caixa-preta da cúpula do Poder Judiciário nunca foi aberta. Ela se blinda de forma severa. É o único dos poderes que continua intocável - e isso é ruim para a democracia.
O seu foco é a cúpula?
Sim. A base do Judiciário, hoje, por causa do Conselho Nacional de Justiça, é superfiscalizada, tem método, tem transparência. E a cúpula não.
Por exemplo...
Os ministros do Supremo não estão sequer submetidos a prazos, e, em vários pontos, nem mais à lei. Eles são intocáveis.
A Constituição garante o pedido de impeachment de ministros do Supremo ao Senado. Não é suficiente?
A única forma de tirar um ministro é o pedido de impeachment, processado e julgado pelo Senado. Só que não funciona. Tem 28 pedidos arquivados, sem terem sido apreciados.
E em que medida uma CPI resolveria isso?
Criando um clima para que a cúpula seja forçada a se abrir. É perfeitamente viável. Tem um voto-vista do ministro Celso de Mello dizendo que pode ter CPI para tratar do Judiciário. O que não pode é tratar de decisões de mérito - e não é a isso que a CPI se propõe.
A que ela se propõe?
A produzir informação consistente sobre dados que nós não temos hoje.
Por exemplo?
Saber, com clareza, o que leva o Supremo a retardar um julgamento por uma década. É um problema estrutural?
Teríamos, então, por exemplo, que o ministro Dias Toffoli, atual presidente, seria chamado à CPI para explicar isso?
Ou ele ou aquele que tenha o estoque de processo mais aberrante. Porque o objetivo final da CPI é gerar um relatório que possa substanciar e subsidiar projetos de lei.
O ministro Marco Aurélio é o recordista em acumular habeas corpus. Ele também iria?
Certamente ele seria chamado a esclarecer. O objetivo é entender, levar transparência, buscar soluções.
Isso não vai atrapalhar a governabilidade? Ou é isso mesmo o que o sr. quer?
Eu não consigo ver nenhum risco à governabilidade. O Brasil passou por impeachment, teve presidente com duas denúncias de corrupção nas costas, passou por uma eleição em que o principal candidato foi esfaqueado, tem ex-presidente condenado e preso - e a democracia continuou a funcionar.
O sr. vislumbra, caso seja aprovada, que algum desses ministros atenderia à convocação?
É uma situação que a gente vai ver na prática. O fato de estar ocupando cadeira, mesmo na mais alta corte, não garante imunidade. Essa CPI é uma demanda da sociedade, e o legislador está aqui para materializar as demandas da sociedade.
O sr. tem algum dado sobre a demanda da sociedade a esta questão específica?
Não. Mas qualquer filtro de análise vai colocar como ponto de resistência a transparência na cúpula do Judiciário.
O sr. não está generalizando?
Não. No caso do STF, você tem o descontrole do tribunal como um todo. São milhares de processos, pedidos de vista sem volta...
Mas em que uma CPI iria resolver isto?
Ela traz os dados e busca uma solução concreta.
As mazelas do Supremo são fartamente conhecidas. Os dados são públicos, estão à disposição.
Não é tão transparente. Só a CPI faz uma produção de conhecimento mais qualificada. Pode servir para embasar projetos de lei e investigações que se tornem necessárias.
Podem surgir investigações?
Sim. Por exemplo: ainda não se tem um cruzamento sobre como funciona a correlação entre duração do processo e escritórios de advocacia.
Este ponto não entrou no seu primeiro pedido. Vai entrar no segundo?
Estamos trabalhando nisso. E também em atividades econômicas exercidas por ministros e não acobertadas pela Lei Orgânica da Magistratura.
Os advogados também seriam convocados à CPI?
É uma possibilidade.
O sr. imagina, por exemplo, que um Sérgio Bermudes possa comparecer?
Com certeza. É um grande advogado, de quem a esposa do ministro Gilmar Mendes é sócia. Talvez a referência (para a convocação) seja esta.
O que mais entraria, em relação aos ministros do Supremo?
A liminar do ministro Luiz Fux mantendo o auxílio-moradia, por quatro anos, até ser negociada por um aumento salarial.
Mas aí já é entrar no mérito da decisão, não?
Não. Isso, na prática, é extorsão, ainda que seja uma palavra dura. A liminar que permanece no tempo é obstáculo para a prestação jurisdicional, porque impede o plenário de apreciar.
O ministro Luiz Fux dirá, até o fim dos dias, que tem o poder constitucional de dar a liminar.
Ele tem prazo regimental de duas sessões para devolver. Não devolvendo, precisa explicar por que não devolve.
O Supremo não cumpre esse prazo de duas semanas.
A CPI quer encontrar um parâmetro que seja sério, para ser efetivamente cumprido. A Justiça tem que ser certa, previsível, não pode ser loteria.
As CPIs têm seu lado circense e demagógico. O sr. imagina um ministro do STF sujeito a isso?
Eu comparo com a perspectiva histórica da prisão do Lula.
O que o sr. está dizendo é: se o Lula foi preso, nada impede que um ministro do STF seja preso?
Exatamente. Ninguém pode estar acima da lei.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.