Queda nos preços, puxada por alimentos e combustíveis, alivia consumidores no curto prazo, mas não deve ser festejada, segundo especialistas. IPCA preocupa setor produtivo
São Paulo – Os últimos índices oficiais de preços foram recebidos com estranheza pelo presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto. Depois de vários meses com a inflação sob controle, em agosto e novembro houve um fenômeno raro no dicionário econômico brasileiro: deflação. “Temos grandes desafios pela frente. O desemprego ainda é um dos maiores deles, e está afetando diretamente o poder de compra do brasileiro”, disse o executivo. “O ano de 2018 começou com muitas expectativas para o setor, mas com um grande desafio na ativação de consumo da população, que ainda segue receosa quanto aos gastos, mesmo após a crise”, destaca.
Na prática, o que mais tem preocupado não é apenas a queda nos preços, mas as oscilações. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, recuou 0,21% em novembro, pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado foi o menor desde junho de 2017, quando o IPCA ficou negativa em 0,23%. Trata-se também da menor taxa para um mês de novembro desde a implantação do Plano Real, em 1994. Esta foi a segunda deflação registrada pelo IBGE em 2018. Em agosto, o índice teve variação negativa de 0,09%.
Segundo a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, tão ruim quanto a inflação alta, fora de controle, é uma trajetória de deflação. “O ano foi muito estagnado para a economia brasileira, e uma queda de preços pode mais atrapalhar do que ajudar”, disse Simone. “A deflação não é benigna e precisa ser monitorada com atenção para não gerar problemas para vários setores da economia.”
A explicação para isso é simples: embora a deflação gere um alívio imediato para os consumidores e abra espaço para recomposição de margens de lucro, algumas despesas fixas das empresas, como folhas de pagamentos, não são reduzidas na mesma proporção. “Sem saber qual é será o preço para o consumidor final, as empresas têm dificuldades em se planejar tanto quando os preços sobem demais tanto quando caem demais”, afirmou o economista Fabio Eher, especialista em varejo e políticas de preços pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
O problema é que, em geral, a deflação tem favorecido os brasileiros de faixa de renda mais elevadas. Segundo o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, referente a novembro, foi registrada deflação para todos os segmentos pesquisados. O alívio, no entanto, foi menos intenso entre as famílias classificadas na faixa “renda muito baixa” (-0,17%), enquanto no perfil “renda alta”, o indicador recuou 0,23%.
Nova realidade
Segundo os pesquisadores do Ipea, a deflação foi menor para as pessoas mais pobres por causa da dinâmica de preços de alimentos. “A alta de 0,39% do grupo ‘alimentos e bebidas’ provocou um aumento inflacionário maior para as pessoas de renda mais baixa, por conta do peso desses itens na cesta de consumo da população mais pobre”, afirmou o Ipea, em nota.
"Sem saber qual é será o preço para o consumidor final, as empresas têm dificuldades em se planejar tanto quando os preços sobem demais tanto quando caem demais"
. Fabio Eher, especialista em varejo e políticas de preços pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Além dos alimentos, os reajustes de 0,5% do gás de botijão e de 0,4% dos aluguéis também contribuíram para limitar a deflação das classes mais baixas, segundo o estudo. No desagregado, a deflação do IPCA foi puxada da queda de preços na conta de luz e nos produtos de higiene pessoal. “As famílias de renda mais alta, por sua vez, registraram uma deflação maior principalmente devido à retração do preço da gasolina (-3,1%). No cômputo geral, essas famílias de maior poder aquisitivo sofreram menos com os preços, embora também tenham se beneficiado menos do recuo das tarifas de energia elétrica”, concluiu o Ipea.
O lado bom desse recuo dos preços é que, ao que tudo indica, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), manterá a Selic em patamares baixos pelos próximos meses. Ontem, o índice foi mantido em 6,5% pela sexta vez consecutiva.
“O BC deve manter em 6,5% a taxa base porque a inflação está bem controlada. Depois de ter dado uma acelerada nos últimos meses, ela desacelerou forte e veio até com deflação no mês passado”, explica Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos. Para ele, a manutenção da taxa em 6,5% poderá ajudar a estimular a economia em 2019, com destaque para a indústria. “Não há dúvidas de que esse é um patamar de juros, e com a inflação sob controle, haverá mais estímulo à economia”, diz.
O controle da inflação e a Selic em patamares em mínimas históricas são, de fato, retratos de uma nova realidade na economia do país. Entre outubro de 2012 e abril de 2013, a Selic estacionou a em 7,25% ao ano, e passou a ser reajustada gradualmente até alcançar 14,25% em julho de 2015. Nas reuniões seguintes, a taxa foi mantida nesse patamar. Já em outubro de 2016, foi iniciado um longo ciclo de cortes na Selic, quando a taxa caiu 0,25 ponto percentual para 14% ao ano. Esse processo durou até março deste ano, quando a Selic chegou ao seu mínimo histórico. Nas reuniões de maio, junho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2018, o Copom optou por manter a Selic em 6,5% ao ano.
Entrevista - Simone Pasianotto - economista-chefe da Reag Investimentos
Ecomista-chefe da Reag Investimentos, uma das maiores corretoras do país, afirma que a queda de preços em novembro não é motivo de comemoração e que, se a deflação persistir, haverá efeitos colaterais nocivos à economia.
Por que a deflação é ruim?
Por várias razões, mas o problema maior é que, sem a definição de uma tendência de trajetória de preços, as empresas não conseguem se planejar, se organizar para investir e contratar. O ano foi muito estagnado para a economia brasileira, e uma queda de preços pode mais atrapalhar do que ajudar.
Então o problema é a imprevisibilidade, não a queda de preços?
A queda de preços não é benigna porque gera incertezas. Acredito que a deflação do IPCA em novembro, depois de já ter havido uma ligeira queda em agosto, é pontual e reflete uma acomodação de preços de itens como combustíveis. De qualquer forma, não é bom torcer para o prolongamento dessa tendência.
Por que, apesar da deflação recente, a percepção geral é que os preços só sobem?
Porque, apesar da queda pontual, ainda temos a quarta maior taxa de inflação na América Latina. De fato, ao olharmos para o IPCA acumulado em 12 meses, na casa de 4%, um percentual dentro da meta, nos dá a sensação de que está tudo bem. Mas não é bem assim. A queda nos preços é resultado de uma forte retração no consumo neste ano.
O que esperar de 2019?
Estou projetando um crescimento de 2% do PIB, puxado pela indústria, principalmente. O setor industrial sofreu com muitas retrações nos últimos anos e não pode ficar do que jeito que está. Não dá para ficar em investir. Teremos um ano melhor do que 2018, mas, em geral, com crescimento discreto.
Isso é resultado do ambiente político mais estável?
A questão política ainda está sob análise. Vamos ver como o novo governo se comporta no primeiro semestre, e como conseguirá dar andamento as reformas. Além das reformas, as privatizações terão de ser conduzidas com muita cautela.
Por Nelson Cilo/Site Estado de Minas
Postado em 13/12/2018 10:11 / Atualizado em 13/12/2018 10:32
A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet/Google