Base aliada do presidente eleito tem, por enquanto, 70 parlamentares
Liberal convicto da mesma escola dos economistas de Chicago (EUA), o futuro ministro da Fazenda do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, confirmou em entrevista endereçada ao mercado financeiro as principais propostas para a economia, mas faltou reconhecer que a maioria delas não se fará por decreto. Elas dependem de negociação com o Congresso Nacional.
Cinco de seis projetos para retomar o crescimento do país, enumerados pelo guru do capitão reformado –, reforma da Previdência, privatização de estatais, regulação de investimentos, alteração de impostos e mudanças sobre valores na tributação do Imposto de Renda –, somente serão efetivadas com o aval da nova Câmara dos Deputados e do Senado. Bolsonaro conta com 70 deputados em sua base aliada, incluindo o PSL, que fez a segunda maior bancada da Câmara, o PRTB e o Avante, numa casa com perfil conversador.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas chamam a atenção para o fato de que, por enquanto, as propostas do novo governo são genéricas e algumas envolveram sinais trocados entre o presidente eleito e seu futuro ministro da Fazenda. “A decisão de partir já para uma reforma da Previdência é adequada porque é agora que se tem mais capital político”, diz o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe. Ele pondera, no entanto, que o principal embate será para aprovar a mais necessária, na sua avaliação, a reforma da previdência pública: “Exige enfrentar resistências e derrubar privilégios”, diz.
O economista e professor da UniHorizontes Paulo Vieira observa que “uma coisa é discurso de campanha, outra é governar”. Além de ter de negociar, o novo presidente ainda terá de resolver arestas na equipe, que surgiram durante a campanha. Ele fez o discurso liberal que agradou ao mercado financeiro no primeiro turno e, no segundo, contrariou as intenções privatizantes de Guedes, ao dizer que haverá exceções no programa de privatizações.
AS METAS INICIAIS DE BOLSONARO
Confira as principais propostas do próximo governo
REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Proposta
A princípio, intenção é separar as contas de pagamentos com benefícios previdenciários e com assistência social.
Como será
O economista Paulo Guedes fala em novo regime de capitalização e proposta imediata. Onyx Lorenzoni (DEM-RS), outro futuro ministro, afirma que o governo quer um regime para 30 anos e, portanto, defende apresentação de uma reforma mais profunda. Ele também descartou negociação com o atual governo para aprovação da reforma que já foi encaminhada ao Congresso. Contudo, nenhum dos dois deu detalhes sobre o que está, de fato, em estudo.
Problemas
Tema polêmico, e, ao que se observa, também dentro da equipe do novo governo, é considerado um dos projetos mais essenciais numa efetiva proposta de retomada do crescimento do país e dependerá do perfil do novo Congresso, como observa o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe. “É projeto que tem de sair em 2019, quando o novo governo tem mais capital político para negociar no Congresso. Mas a principal reforma da Previdência é a do setor público, que impõe déficit por funcionário muito maior que a privada. Esta sim, requer enfrentar resistências e derrubar privilégios”, afirma.
CONTROLE DOS GASTOS PÚBLICOS/REFORMA DO ESTADO
Proposta
A intenção é ambiciosa de reduzir em 20% a dívida pública, com reforma do Estado, privatizações e concessões. O economista Paulo Guedes já falou em zerar o déficit público em 12 meses, por meio da folha de pagamento de empresas e com recursos originários da Petrobras
Como será
Guedes não detalhou qual o modelo de privatizações será proposto e como pretende acelerar as concessões de serviços públicos
Problemas
A reforma do Estado, do ponto de vista de redução e fusão de ministérios tende a ser a única medida sobre a qual o governo terá independência, se valendo de medida provisória, como lembra o economista e professor Paulo Vieira. Ainda assim, passa por momentos distintos, sendo um inicial de enxugamento da máquina pública, e o outro, de redução de gastos. “Se for uma reforma só cosmética, rearranjando ministérios, e a estrutura funcional permanecer, sem queda de gastos com manutenção e os trâmites burocráticos de sempre, não vai resolver”. Pôr fim ao déficit monumental das contas públicas, na visão do especialista, não é tarefar para apenas um ano. O déficit da União deve se aproximar de R$ 159 bilhões neste ano e a previsão para 2019 é de R$ 139 bilhões, com ingresso de recursos pontuais no caixa do governo, provenientes de privatizações e concessões e repasses da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
AUMENTO DE RECEITA
Proposta
Primeiro, o economisa Paulo Guedes falou em recriação da CPMF e logo foi repreendido pelo então candidato Jair Bolsonaro. Agora, diz que a ideia é unificar de quatro a seis impostos num tributo federal. Disse ainda que o novo governo vai simplificar e reduzir impostos e encargos trabalhistas
Como será
A medida não foi detalhada e não se tocou mais em aumento de impostos
Problemas
Será difícil convencer o novo Congresso eleito por uma onda de mudança a aceitar a antiga receita de aumento de impostos. A tributação brasileira como proporção do PIB (Produto Interno Bruto, o conjunto da produção de bens e serviços do país) bateu recorde em março último, tendo alcançado 33,63% do PIB, mesmo nível de 2013. A criação de impostos esbarra, ainda, na questão da distribuição das receitas tributárias com os estados. Está longe de ser algo que a União pode decidir sozinha.
INVESTIMENTOS
Proposta
Constituir um marco regulatório para investimentos em infraestrutura e resgatar a segurança jurídica
Como será
O economista Paulo Guedes não detalhou a proposta, mas já houve um curto-circuito com o presidente eleito, que, recentemente, criticou a presença do investimento chinês no setor elétrico brasileiro e afirmou que o país não pode deixar essa área nas mãos dos chineses. O bate-cabeças repercutiu mal entre analistas de bancos e corretoras.
Problemas
Jair Bolsonaro fez um discurso aplaudido pelo mercado financeiro no primeiro turno, em consonância com seu guru econômico, e voltou atrás, justo em relação aos investimentos da China, que têm comandado aportes de capital pelo mundo, destaca o economista Paulo Vieira. “Não se pode virar as costas até porque a maior parte do dinheiro que é investido no mundo vem da China. Temos é de regulamentar esse capital no país”, afirma.
PRIVATIZAÇÕES
Proposta
O conselho dado por Paulo Guedes ao presidente eleito é no sentido de vender as estatais. Ele disse há cerca de dois meses que o Brasil tem R$ 1 trilhão de ativos a serem vendidos, mas não explicou como a conta foi feita. Na contramão, Bolsonaro, enquanto candidato, vetou privatizações no setor elétrico e no que chamou de “miolo da Petrobras”.
Como será
A proposta não foi detalhada no que trata do modelo de privatização a ser usado, de venda do controle das empresas estatais ou de parte das ações das companhias. Não se sabe, também, se o novo governo optará por instituir a chamada golden share, uma cláusula de veto, que mantenha poder nas mãos da União
Problemas
A medida depende de projeto de lei e pode enfrentar, como em vários casos já vistos no país, entraves jurídicos, além de força do governo para negociar no Congresso. “É preciso de cacife político e defendemos que no caso do setor financeiro, é preciso garantir a concorrência em favor da população brasileira. Não dá para privatizarmos uma Caixa ou um Banco do Brasil e o poder ficar concentrado nos bancos privados que comprarem essas instituições”, afirma. Para o economista Paulo Vieira, outro problema a ser resolvido, primeiro dentro do próprio governo foi um conflito que ficou evidente entre Guedes, liberal, e um presidente eleito que mostrou “a filosofia estatizante da caserna”, ao vetar privatizações no setor elétrico.
IMPOSTO DE RENDA
Proposta
Reduzir a tributação, com isenção e nova tabela do IR
Como será
O programa do presidente eleito destaca Isenção para quem ganha até cinco salários mínimos e criação de uma alíquota única de 20% para outras faixas de renda.
Problemas
Pelas regras atuais, os contribuintes que ganham acima de R$ 4.664,68, quase 4,9 salários mínimos, já pagam alíquota de 27,5% do imposto, da mesma forma que a população de maior renda e os mais ricos. Para especialistas no assunto, a exemplo do contador Edvar Dias Campos, membro do Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais, a questão central é a desigualdade da tributação, que a proposta não resolve. “De maneira alguma essa proposta ataca a disparidade do IR. Quem ganha menos continuará pagando mais, se novos valores não forem definidos numa tabela progressiva”, afirma. Mudanças envolvendo valores dependem de projeto de lei ao Congresso.
O GURU
Carioca, Paulo Guedes, de 69 anos, tem formação em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestrado e doutorado na Universidade de Chicago, espécie de carro-chefe do pensamento econômico liberal. Experiência no mundo dos negócios não falta ao economista. Ele participou da criação do Banco Pactual, agora BTG Pactual, e também tem em seu currículo sociedade no grupo BR Investimentos, mais tarde incorporado ao Bozano Investimentos. É também ex-integrante dos conselhos de administração de grandes empresas, como Localiza e Anima Educação.
Por Marta Vieira/Site Estado de Minas
Postado em 30/10/2018 06:00 / Atualizado em 30/10/2018 07:44
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