Em meio à polêmica que cerca a iniciativa de psicólogos para derrubar, na Justiça, uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbe os profissionais da área de oferecerem “tratamento” ou “cura” para a homossexualidade, o conselho aprovou uma nova resolução que regulamenta a forma como a categoria deve atuar no atendimento a travestis e transexuais.
Aprovada por unanimidade durante assembleia realizada em Brasília, neste domingo (17), a decisão orienta os psicólogos e psicólogas de todo o país a não tratar a travestilidade e a transexualidade como uma doença ou anomalia. A decisão ocorreu dois dias após sentença da 14ª Vara Federal de Brasília que tornou definitiva a decisão liminar (provisória) autorizando psicólogos a atenderem pacientes chamados egodistônicos (que não aceitam sua condição homossexual).
Em sua decisão, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho também manteve a garantia para que os psicólogos realizem estudos sobre transtornos psicológicos e comportamentais ligados à orientação sexual. O conselheiro secretário do CFP, Pedro Paulo Bicalho, garantiu que o conselho vai recorrer da decisão judicial que autoriza o atendimento de homossexuais interessados em terapia de reorientação sexual.
“Essa sentença será questionada, pois, para nós, é um grande equívoco. O conselho jamais negou ou quis negar a qualquer psicólogo a possibilidade de oferecer ajuda a quem quer que seja. O que não podemos admitir é que um eventual pedido de ajuda seja interpretado e tratado como um pedido de reorientação sexual por parte de homossexuais, travestis ou transexuais. É preciso compreender que por trás deste pedido há todo um contexto e um processo de violência no qual esta pessoa está inserida e que pode produzir um desejo de reorientação que precisa ser melhor elaborado”.
Publicação
A resolução só entrará em vigor após ser publicada no Diário Oficial da União – o que deve ocorrer apenas em janeiro. Segundo o CFP, o texto aprovado determina que é dever dos psicólogos contribuir para a eliminação da transfobia - ou seja, de todas as formas de preconceito, individual e institucional, contra travestis e transexuais.
Na prática, a norma impedirá “o uso de instrumentos ou técnicas psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminação” contra transexuais e travestis, proibindo os profissionais da área de “propor, realizar ou colaborar com eventos ou serviços que busquem terapias conversivas, reversivas, de readequação ou de reorientação de gênero”, bem como de participar de “eventos ou serviços que contribuam para o desenvolvimento de culturas institucionais discriminatórias”.
Segundo o conselheiro secretário do CFP, Pedro Paulo Bicalho, a nova resolução salda uma dívida da entidade com travestis e transexuais, já que a Resolução 001, de 1999, não os contemplava em suas especificidades.
“Esta nova resolução reafirma que a psicologia brasileira deve contribuir para eliminar os preconceitos e a transfobia. Não cabe ao psicólogo ou psicóloga oferecer qualquer ação que contribua para estigmatizar grupos ou indivíduos, cuja autodeterminação em relação as suas identidades devem ser reconhecidas e legitimadas”, afirmou Bicalho à Agência Brasil.
Reações
O dirigente antevê reações à medida. “Há setores da sociedade que lutam para que outros segmentos permaneçam detentores de menos direitos fundamentais, mas a psicologia é boa de briga. Cada questionamento a nossas resoluções por membros destes setores nos orgulham, pois indicam que estamos agindo corretamente”, acrescentou Bicalho.
Presidente da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil, Tathiane Araújo, classificou a decisão do CFP como uma vitória. “A resolução demonstra o comprometimento da entidade para com as pessoas trans, que são vítimas não só da violência física que coloca o Brasil no topo do ranking dos países com maior número de assassinatos de travestis e transexuais, mas também do adoecimento mental”, comentou Tathiane. “A resolução pode ajudar a coibir o crime que é oferecer cura para o que não é uma doença; ajudar a coibir práticas e mecanismos excludentes que atingem a população trans, já estigmatizada pelo machismo e pela transfobia”.
Edição: Davi Oliveira