Além da falta de medicamento, usuários do SUS enfrentam longa espera para receber remédios disponíveis
18/11/2017 09:45 em Minas Gerais

Falta de infraestrutura complica a vida de quem precisa de medicamentos do SUS, com prazos de entrega longos e filas extensas. Pacientes dizem que transtornos são frequentes


VL - Valquiria Lopes - Site Estado de Minas - A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet

Postado em 18/11/2017 06:00 / Atualizado em 18/11/2017 09:08

 

Não só a falta de medicamentos tem sido um desafio para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) que atualmente convivem com um déficit de 18% das fórmulas distribuídas na farmácia regional do programa Farmácia de Todos, do governo do estado, em Belo Horizonte. Quem depende da distribuição tem convivido ainda com problemas de infraestrutura que expõem pacientes e seus familiares a longos prazos de espera, filas extensas formadas do lado de fora da unidade, na calçada, além de dificuldades para atendimento no serviço de informação da central telefônica acessada pelo número 155. Usuários dizem que o transtorno que era eventual, se tornou mais frequente nos últimos meses, e cobram melhorias. 

Ontem, dia em que o Estado de Minas noticiou o problema da baixa de estoques no serviço farmacêutico do estado, uma imensa fila se formou na porta da farmácia, com pacientes e familiares expostos a sol forte à espera de atendimento por quase três horas e com muitas queixas sobre o serviço de informação por telefone. O déficit atual de 18% no estoque de medicamentos representa 64 remédios, prescritos para aproximadamente 50 doenças, a exemplo de diabetes, Alzheimer, autismo infantil, epilepsia, imunodeficiências, além de remédios indicados para evitar rejeição de órgãos em transplantados.

O programa Farmácia de Todos foi criado para garantir a assistência farmacêutica no estado e é por meio dele que medicamentos são fornecidos pelo SUS à população. Classificados em três grupos, a depender das doenças para as quais são indicados (especializados, estratégicos e básicos), eles têm financiamento tripartite (União, estados e municípios), financiamento exclusivo do Ministério da Saúde e ainda exclusivo do governo de minas. Para obter informações sobre o programa, a população pode ligar 155, no LigMinas, de segunda a sexta-feira (exceto feriados), das 7h às 20h.

O problema é que, nem sempre o cidadão consegue ter acesso ao serviço, o que dificulta ainda mais a vida de quem precisa buscar o medicamento na unidade de Belo Horizonte. De acordo com a securitária Sheila Faria Lima, de 40 anos, ela tem tentado há 10 dias buscar informação pelo número, sem sucesso. “Estive aqui no dia 6 para buscar um remédio para minha mãe, que é transplantada, e o produto estava em falta. Orientaram-me a ligar no 155, para ver que dia seria reposto. Venho tentando todos os dias, mas a ligação fica numa gravação e nunca atende. Por fim, consegui hoje, mas não tenho mais o agendamento e vou ter que enfrentar uma fila enorme”, disse.

O biólogo Lucas Gontijo, de 31, estava na unidade para buscar o medicamento Tacrolimo 1mg, que toma desde setembro de 2016, quando fez um transplante de coração. De lá para cá, ele esteve em falta apenas uma vez, mas diante da importância do remédio, que evite que o órgão ‘inflame’ e sofra rejeição, o paciente não pode ficar sem o remédio nenhum dia. “Hoje eu consegui, mas precisei esperar por três horas, o que é um absurdo”, disse o biólogo, que chegou a filmar a fila para registrar a quantidade de pessoas à espera de atendimento.

Ambulante e com um carrinho de picolé montado em frente a unidade farmacêutica, Sandro Soares dos Santos, de 37, relata o dia a dia no local. “Está cada vez mais frequente as pessoas virem aqui e perderem viagem porque não tem medicamento. Há épocas em que chega a falta mais de 80 tipos, segundo contam funcionários que trabalham aí”, disse. Ele afirmou ainda que as filas também estão mais constantes. “E quando não tem, é por causa da falta de medicamentos”, relatou.

Sem entrega Outro problema relatado pelos usuários no local foi a suspensão da entrega domiciliar dos remédios. “O serviço foi cortado e as pessoas estão tendo que buscar na farmácia, o que é muito ruim, porque imagino que a maioria é de idosos ou pessoas que não têm condições de vir”, disse a assistente administrativo Rosalina Gomes, de 54 anos. A doméstica Elza Pereira Barbosa, de 59 anos, também se queixa de dificuldades no serviço. “As filas têm ocorrido com frequência cada vez maior. E a gente é obrigada a ficar aqui, na rua, nesse sol escaldante. Até mesmo quando chega lá dentro, ainda é demorado, mesmo tendo agendamento”, afirmou.

Sobre esse problema, a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que o programa de entrega domiciliar de medicamentos está em processo de reformulação desde julho. O serviço atendia a cerca de 4 mil pacientes que se cadastraram voluntariamente ao longo de seis anos de funcionamento. A SES, no entanto, nega que a
suspensão da entrega tenha tido interferência na fila. “Esse não é o motivo do aumento da fila. Esses pacientes do programa de entrega domiciliar foram reincorporados ao atendimento presencial gradualmente. Os mesmos foram avisados por telefone e orientados sobre como proceder para o retorno”, informou.

 

Depoimento

Flávia Ayer
repórter

“Há quase três anos tomo um medicamento de alto custo, em decorrência de uma doença crônica, a retocolite ulcerativa. O preço do remédio (mesazalina 500mg) é de R$ 1,5 mil por mês, inviável para a maioria avassaladora de nós, brasileiros. Fui buscar o medicamento em julho, mas não tinha, o que evidencia um problema cada vez mais frequente desde o ano passado. No lugar do remédio, deixo a repartição com um carimbo de ‘FALTA’, em letras maiúsculas, na receita. Em agosto e setembro foi a mesma coisa, acompanhada da informação angustiante fornecida pela atendente: ‘Não tem previsão de chegar’. Assim como eu, pacientes com as mais diversas doenças ficam sem tratamento, em um atestado de verdadeira ‘FALTA’ de compromisso do poder público com o cidadão. Com sorte, depois de três meses consecutivos e uma grande cruzada atrás de amostras grátis e doações, consegui pegar o remédio, em outubro, no SUS. O sentimento foi de ganhar na loteria, quando deveria ser algo natural. Na próxima sexta-feira é o dia de voltar à Farmácia de Todos. Até lá, a ansiedade cresce, enquanto vejo os comprimidos chegando ao fim.”

 

 

Atendimento

Para obter informações sobre o Farmácia de Todos o cidadão pode ligar 155, no LigMinas, e escolher a opção 2, da Secretaria de Estado de Saúde, e depois a opção 4. O horário de atendimento da central é das 7h às 20h, da segunda à sexta-feira (exceto feriados). 

Fluxo acima do normal

Sobre a fila de ontem, a secretaria sustenta que ele teve como causa principal o abastecimento do Núcleo de Assistência Farmacêutica de BH (NAF-BH) de vários medicamentos que estavam em falta e que, por isso, houve um fluxo anormal de pacientes em busca de atendimento. A SES informou, no entanto que “todos os pacientes estão sendo atendidos normalmente”. O órgão também admite que houve aumento no número de ligações recebidas no LigMinas para informações quanto ao estoque dos medicamentos, o que tem levado a secretaria a novas estratégias. “O serviço é avaliado periodicamente e foi constatada dificuldade de atendimento nos horários de picos. Uma nova ferramenta está em desenvolvimento para que os cidadãos recebam de forma mais facilitada as informações referentes ao acesso aos medicamentos no SUS”, disse a secretaria.

O Núcleo de Assistência Farmacêutica da Superintendência Regional de Saúde Belo Horizonte atende à população de 38 municípios da região metropolitana. E, segundo a SES, o abastecimento do núcleo depende dos estoques do almoxarifado central da SES-MG e, como cada medicamento possui uma situação específica, alguns medicamentos podem apresentar maior dificuldade de aquisição. Isso ocorre, conforme informou a SES, devido a problemas na linha de produção, falta de matéria-prima ou dificuldades de registro. A secretaria havia informado ainda que a dificuldade na compra decorre de problemas financeiros que o estado enfrenta, bem como por licitações dadas como desertas ou fracassadas. “Ressaltamos o empenho da SES-MG para a normalização da situação e o reestabelecimento do estoque o mais breve possível. Além da atuação junto aos fornecedores, temos tentado também carona junto a outros estados. Além disso, com a avanço nos pagamentos realizados pelo estado, observamos uma melhora gradual no cenário de abastecimento”.

No que se refere ao medicamento Tacrolimo 1mg, a SES informou que as entregas pelo Ministério da Saúde (MS) para atendimento ao quarto trimestre de 2017 têm sido realizadas de forma parcelada e ainda falta grande parte do pedido a ser entregue pelo MS. Contudo, sustenta, cabe informar que o quantitativo recebido até o momento teve sua distribuição autorizada a todas Regionais de Saúde do Estado. Tão logo ocorra a entrega pelo MS, autorizaremos nova distribuição para as farmácias.

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