Durante mais de sete horas de depoimento à CPMI (Comissão composta por deputados e senadores, em igualdade numérica, destinada a investigar fato de relevante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do País. Para a criação de uma CPMI, é exigido requerimento assinado por 171 deputados e 27 senadores (1/3 de cada Casa). A CPMI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, podendo convocar depoentes e quebrar sigilo bancário, telefônico e fiscal, por exemplo.) da JBS, o procurador da República Ângelo Goulart Villela acusou o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de ter “interesse político” em derrubar o presidente Michel Temer por meio do acordo de delação premiada celebrado com os controladores do grupo J&F, Joesley e Wesley Batista.
Gilmar Felix / Câmara dos Deputados
Segundo Villela, negociação entre Joesley Batista e o Ministério Público para a realização de delação premiada começou antes da gravação da conversa do empresário com Temer
Segundo Villela, que chegou a ficar 76 dias preso, acusado de repassar informações sigilosas para o grupo JBS, a intenção de Janot seria impedir a nomeação de Rachel Dodge como sucessora dele na Procuradoria-Geral da República. Isso explicaria, de acordo com o depoente, a pressa na investigação e o benefício máximo de impunidade penal oferecido pelo Ministério Público (É formado pelo Ministério Público da União (MPU) e pelos ministérios públicos estaduais. No primeiro atuam os procuradores. Nos estados, os promotores. O MPU, por sua vez, é composto pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério Público Militar e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.) aos executivos da JBS.
Do período total do depoimento prestado nesta terça-feira (17), quase horas ocorreram em reunião reservada, sem a presença da imprensa, a pedido do próprio Villela.
Ele disse aos integrantes da CPMI ter ouvido em abril do então chefe de gabinete de Rodrigo Janot, o procurador Eduard Pelella, que antes da nomeação do sucessor de Janot, em setembro, Temer iria cair.
Villela não apontou, porém, crime na atuação de Janot nem confirmou que Joesley recebeu orientação da equipe do ex-procurador-geral para gravar Temer. Mas apontou semelhanças no modo como foram feitas as gravações de Joesley no acordo de colaboração e as realizadas pelo ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Villela afirmou aos parlamentares que a negociação entre Joesley Batista e o Ministério Público em torno da delação premiada havia começado duas semanas antes da gravação que serviu de base para a primeira denúncia contra Michel Temer por corrupção passiva.
“A negociação começou no dia 20 de fevereiro e isso foi dito por Joesley e pelo advogado Francisco Assis e Silva nos depoimentos que prestaram no procedimento administrativo aberto contra mim. Já a gravação ocorreu em 7 de março, no Palácio do Jaburu”, apontou.
Segundo ele, isso contraria informações do próprio Ministério Público, que, na denúncia, afirma que as negociações começaram depois da gravação. “Essa diferença de datas talvez tenha como motivo deixar claro que a gravação foi feita sem a anuência de Janot”, comentou.
Repercussão
O depoimento de Villela fez com que alguns integrantes da comissão colocassem em dúvida procedimentos adotados pelo Ministério Público para celebrar acordos de colaboração com acusados de crime. Já outros parlamentares frisaram que não viram irregularidades na atuação de Janot.
Para o relator da CPMI, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), a gravação da conversa de Temer foi um crime e parte de uma conspiração que teve o envolvimento do ex-procurador Marcelo Miller, que deixou a equipe de Janot e a carreira no Ministério Público para advogar para a JBS. “O presidente foi criminosamente gravado com o objetivo de se promover a sua deposição. Se isso não é uma conspiração criminosa, tenho dificuldade de saber o que é”, declarou.
Por sua vez, na avaliação do deputado Delegado Francischini (SD-PR), um dos sub-relatores da comissão, ficou claro que não houve crime da parte de Janot. “Estamos discutindo se houve orientação para que se plantasse crimes contra o presidente da República e isso não ocorreu", afirmou.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi além e disse que a CPMI é uma coalizão de partidos investigados, com o objetivo de criminalizar o Ministério Público e inviabilizar a Operação Lava Jato. A fala motivou uma troca de ofensas entre o senador e o relator Marun.
De acordo com o deputado Wadih Damous (PT-RJ), outro sub-relator da comissão, o depoimento de Villela deixou claro que é preciso ter procedimentos mais claros para os acordos de colaboração. “O depoente traz informações importantes que mostram que é necessário definir melhor as regras”, sustentou. Ele defende, por exemplo, que delações premiadas não possam ser feitas com acusados presos.