ONU cobra ações de defesa dos direitos humanos no Brasil
Direitos Humanos/Cidadania
Publicado em 06/05/2017

Após sabatina hoje (5), em evento do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), realizado em Genebra, na Suíça, o governo brasileiro recebeu centenas de recomendações dos países-membros da organização para que tome medidas mais eficazes para deter violações cometidas no setor no Brasil, sobretudo contra povos indígenas, defensores de direitos humanos e populações pobres e carcerárias.

De manhã, a delegação brasileira, chefiada pela ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, apresentou um balanço do setor no país nos últimos quatro anos. A apresentação foi durante a Revisão Periódica Universal (RPU), realizada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU a cada quatro anos. Até setembro deste ano, o Brasil deverá informar quais das recomendações feitas hoje pelas Nações Unidas aceitará. Esta é a terceira avaliação do órgão sobre o Brasil – as duas primeiras foram feitas em abril de 2008 e em maio de 2012.

A RPU também pediu garantias de não discriminação e de combate à violência contra a mulher e a população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais) e sobre a ratificação de acordos internacionais, como o Tratado de Comércio de Armas e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias.

Na última RPU, em 2012, das 170 recomendações que o Brasil recebeu, 159 foram acatadas integralmente, 10, parcialmente, e uma, relacionada à descriminalização do aborto, foi rejeitada.

“Agentes do agravamento”

No documento apresentado hoje à ONU, o governo brasileiro diz que cumpriu 60% do combinado há quase cinco anos e citou os programas Minha Casa, Minha Vida e Criança Feliz, lançado no ano passado, bem como políticas voltadas para pessoas com deficiência e de combate à tortura.

Entretanto, para organizações de direitos humanos que participaram do encontro e contribuíram para a revisão da ONU, o percentual do país está próximo de zero. Para a Anistia Internacional, uma das entidades que elaboraram relatórios por ocasião do evento, as autoridades brasileiras não apenas foram omissas, mas também "agentes do agravamento” das violações de direitos humanos no país.

A assessora da Anistia Internacional Renata Neder, que acompanhou a RPU em Genebra, disse que o modelo de segurança pública brasileiro é um dos principais fatores para a escalada de violações de direitos humanos no país. “Temos quase 60 mil homicídios por ano no Brasil, e não há um plano nacional de redução desse índice."

De acordo com Renata, as políticas de segurança não são voltadas para a proteção da vida, mas para a guerra às drogas. "Isso se materializa em uma polícia militarizada, que entra sucessiva e violentamente nas áreas periféricas, matando milhares de pessoas. Vários direitos estão sob ataque do próprio Estado. É preciso mudança de foco.”

Ela alertou que apenas a sociedade brasileira pode pressionar o Estado a implementar as recomendações das Nações Unidas. "Os compromissos assumidos pelo Brasil não podem ficar apenas no papel, como aconteceu majoritariamente com os compromissos assumidos no último ciclo, em 2012. O processo de sua implementação deve ser monitorado com ampla participação da sociedade civil."

Direitos de povos indígenas

Os Estados-Membros da ONU voltaram a recomendar que a população indígena seja previamente consultada em decisões e projetos que afetem seus direitos e que tenham garantidas a demarcação de suas terras e a proteção contra ataques e todas as formas de violência. O compromisso foi acatado em 2012, mas sua consolidação tem sido lenta, e os conflitos intensificam-se, conforme relatam organizações ligadas aos indígenas.

Na semana passada, pelo menos 13 índios da etnia Gamela foram feridos por homens armados com facões e armas de fogo no Maranhão. Segundo relatos, dois índios tiveram as mãos decepadas e cinco foram baleados.

Agilizar o processo de demarcação e transferência das terras pertencentes a comunidades indígenas contribuiria para diminuir essa violência, De acordo com documento divulgado pelas organizações não governamentais (ONGs) que participaram do encontro, agilizar o processo de demarcação e transferência das terras pertencentes a comunidades indígenas contribuiria para diminuir a violência.

As ONGs denunciaram propostas de mudança na legislação que podem prejudicar os direitos indígenas, entre as quais a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere do Poder Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas; a PEC 187/2016, que permite atividades agropecuárias em territórios indígenas; e os projetos de lei 1.610/1996, que trata da exploração de recursos minerais em terras das comunidades, e 3.729/2004, que regulamenta o impacto ambiental de obras que degradam o meio ambiente.

Violência no campo

A violência rural também foi discutida no encontro. No ano passado, a Comissão Pastoral da Terra registrou mais de 60 mortes, 200 ameaças e 74 tentativas de assassinatos relacionadas a conflitos por terra e recursos naturais. É o segundo pior resultado em 25 anos, depois do de 2013, ano em que 73 pessoas foram mortas. Neste ano, já foram registradas 19 mortes por conflitos de terra no país.

“O conflito por terra existe porque a demarcação de terras indígenas e de quilombolas é extremamente lenta. Essas comunidades são alvo de ataques de homens armados contratados por fazendeiros”, disse Renata. Ela acrescentou que, apesar das leis que garantem a demarcação das terras, nas últimas décadas, pouco foi implementado. "E a impunidade dos crimes cometidos, alimenta esse ciclo de violência.”

Defensores

O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos foi estabelecido em 2004 no Brasil, mas dezenas de pessoas que atuavam no setor foram mortas ou ameaçadas no contexto dos conflitos sobre terras e recursos naturais no ano passado. Como o programa foi estabelecido apenas por decreto, não tem suporte legal. De acordo com a ONG Justiça Global, em 2016, dezenas de defensores foram assassinados no país.

O grupo de trabalho da ONU recomendou que o governo se empenhe em investigar e responsabilizar os que cometem ataques e que fortaleça o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, com aprovação do marco legal e alocação de recursos financeiros para sua implementação. O governo brasileiro reconhece, por meio do relatório, que o programa, responsável por 349 casos, enfrenta desafios, em especial quanto a profissionais de comunicação, lideranças rurais, indígenas, quilombolas e ambientalistas.

Execuções extrajudiciais

Na última revisão da ONU, o Brasil aceitou a recomendação de tomar medidas contra execuções extrajudiciais pelas forças de segurança, além de se comprometer a garantir que todos os homicídios cometidos por agentes da lei fossem devidamente registrados e investigados de forma independente. Quase cinco anos depois, a RPU deste ano recomendou que se garanta treinamento adequado para as forças de segurança, a investigação e responsabilização pelos abusos cometidos, além da aprovação do Projeto de Lei 4.477/2012 sobre homicídios praticados pela polícia. O aumento de mortes ocasionadas por intervenções policiais tem sido destaque nos relatórios enviados à ONU.

Somente no Rio de Janeiro, pelo menos 182 pessoas foram mortas em operações policiais em favelas apenas em janeiro e fevereiro deste ano, um aumento de 78% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados oficiais. Entre 2006 e 2015, 8 mil pessoas foram mortas por policiais em serviço. Em 2015, a polícia fluminense foi responsável por uma em cada cinco mortes,  e em São Paulo, uma em cada quatro. Quase 100% das vítimas eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos.

Presídios Brasileiros

Os países-membros da ONU recomendaram também que o Brasil garanta condições dignas, diminuição do número de pessoas em prisão provisória e a realização de mais  audiências de custódia. No início de fevereiro, pelo menos 60 presos que cumpriam pena em Manaus foram mortos durante uma rebelião. De acordo com a Anistia Internacional, este é um exemplo emblemático da tortura, da violência endêmica, da superlotação e das condições degradantes nas prisões do brasileiras. Uma pessoa presa provisoriamente no país fica, em média, um ano e três dias detida antes de ir a julgamento, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na reunião de Genebra, o governo informou que pretende diminuir a população carcerária em 10% até 2019.

Relatório

O balanço do governo brasileiro apresentado à ONU enfatizou os avanços sociais obtidos por meio de políticas públicas de combate ao racismo, à xenofobia, à intolerância religiosa, de promoção e proteção dos direitos humanos de migrantes e refugiados, e das pessoas com deficiência. Com 66 páginas, o relatório apresenta uma série de medidas e avanços entre 2012 e 2016.

O relatório oficial do Brasil também cita como exemplo de sucesso as ações de combate ao trabalho escravo e cita que mais de 6 mil trabalhadores em condições análogas à de escravidão foram resgatados no período da revisão pelas autoridades competentes. Medidas como seguro-desemprego, acesso a programas de transferência de renda, promoção da alfabetização e iniciativas de treinamento também são mencionados como medidas tomadas em benefício das vítimas.

Ministra comenta

Em entrevista à Agência Brasil  por telefone, de Genebra, a ministra Luislinda Valois disse que a RPU foi positiva para o Brasil. “O êxito do Brasil foi absoluto. Saí da reunião com a sensação de dever cumprido. Foram muitas as recomendações, mas sobre poucos tópicos e nada que denotasse negligência do Brasil.”

De acordo com Luislinda, o Brasil recebeu muitos elogios de países que participaram da reunião, sobretudo pelas políticas de redução da pobreza. “Precisamos fazer muita coisa,  mas há um reconhecimento de que o Brasil está trabalhando confortavelmente na área de direitos humanos, não só na minha administração, mas também nos anos anteriores.”

A ministra disse que quase todos os países manifestaram-se sobre o setor prisional. “Sabemos que o sistema carcerário precisa de melhoras – está melhorando, mas precisa melhorar muito mais. Ainda não estamos totalmente no caminho certo, mas estamos melhorando muito, apesar do pouco [tempo] de governo. Com os nossos [poucos] recursos, não se pode caminhar a passos mais largos”, acrescentou.

Edição: Augusto Queiroz

 

Flávia Villela – Repórter da Agência Brasil - 05/05/2017 - 16h10 - Rio de Janeiro/Site EBC

Comentários
Comentário enviado com sucesso!