"Ganho com 'lava jato' é maior que qualquer equívoco que possa ser questionado"
04/12/2017 09:14 em Opinião

 

 

Por Sérgio Rodas

O Ministério Público do Rio de Janeiro falhou ao não frear o esquema de corrupção que o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) organizou no estado a partir de 2007. Por isso, a entidade deve fazer um mea culpa e buscar uma atuação mais preventiva a delitos, afirma o procurador-geral de Justiça fluminense, José Eduardo Gussem. Mas ele lembra que nenhum dos outros órgãos de controle do agiu quanto ao grupo — nem o Ministério Público Federal, que tinha o poder de investigar criminalmente Cabral enquanto ele era chefe do Executivo devido ao foro por prerrogativa de função.

Esse cenário, destaca, só começou a mudar com a regulamentação da colaboração premiada no Brasil, com a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013). E o instrumento pode ajudar a combater o tráfico de drogas, diz Gussem. Porém, ele avalia que a delação não será tão eficaz contra esse delito como tem sido contra crimes financeiros e contra a Administração Pública. Isso devido à maior dificuldade de se chegar aos chefes das quadrilhas e ao sucateamento do programa de proteção a testemunhas, extremamente necessário para proteger quem entrega traficantes.

Embora elogie a classificação de porte de fuzil como crime hediondo, o procurador-geral de Justiça aponta que esse crime e o de tráfico de drogas só serão reduzidos no Rio com a redução do tempo de tramitação dos processos e a fiscalização das fronteiras do estado – afinal, nem armas de guerra nem entorpecentes são produzidos em solo fluminense. Perguntado se a regulamentação das drogas poderia ajudar a diminuir a violência no Rio, Gussem defendeu uma profunda análise dos efeitos que essa medida poderia gerar.

Entusiasta da operação “lava jato”, o chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro opina que eventuais exageros cometidos por policiais federais, procuradores da República e magistrados são “insignificantes perto do resultado final de revelar as entranhas da corrupção existentes nas estruturas públicas brasileiras”.

Em entrevista à ConJur, Eduardo Gussem também elogiou a maior divulgação de casos judiciais pela imprensa, comentou o polêmico evento do MP-RJ sobre segurança pública e explicou a atuação da instituição na fiscalização das polícias do Rio.

Leia a entrevista:

ConJur — Muitos criticam o MP-RJ por não ter agido contra o esquema de corrupção organizado no estado pelo grupo do ex-governador Sérgio Cabral. A seu ver, o MP-RJ realmente se omitiu?
Eduardo Gussem
 —
A crítica deve ser dirigida a todas as instituições de controle, estaduais e federais. Não me recordo de nenhuma ação penal envolvendo outros governadores do estado do Rio de Janeiro por ato de corrupção. Sem dúvida, os grandes avanços obtidos no combate à corrupção no estado do Rio de Janeiro foram propiciados pela Lei das Organizações Criminosas, que, dentre outras medidas, dispôs sobre o acordo de colaboração premiada. Não é do conhecimento comum da população que a atribuição para processar, criminalmente, um governador é do Ministério Público Federal, e o Superior Tribunal de Justiça é o órgão competente para julgar o caso. Precisamos fazer uma mea culpa e modificar a forma de atuação. Temos que ser mais resolutivos e céleres. Os dois principais processos do Judiciário brasileiro são o mensalão e a “lava jato”. Mas em ambos os danos efetivamente ocorreram. Nossa atuação tem que ser preventiva, com o intuito de evitar as ações criminosas prejudiciais ao erário. É o que espero para um futuro próximo.

ConJur — A competência criminalmente Sérgio Cabral enquanto ele era governador era do MPF. Mas o MP-RJ não poderia ter agido com relação a desvios de obras públicas e crimes de deputados estaduais, como Jorge Picciani, presidente licenciado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro?
Eduardo Gussem
 —
Sempre houve uma dificuldade muito grande de investigar autoridades. E aí acabamos entrando também na questão do foro por prerrogativa de função. O Rio de Janeiro é o segundo estado com maior número de autoridades com foro por prerrogativa de função. Isso é lamentável, e deveria ser revisto o quanto antes. E essas pessoas sempre se esconderam e se respaldaram muito nesse foro por prerrogativa de função. Além disso, nós tínhamos muita dificuldade de obter provas desses crimes – tanto que também nunca tínhamos visto ex-governadores sendo processados. Passou a ser possível obter essas provas com o instituto da delação premiada, que é um grande avanço. Espero que cada vez esse instrumento contribua para elucidar casos dessa relevância, que visivelmente contaminaram as gestões públicas do nosso estado, talvez o mais corrompido hoje de todas as unidades federativas.

ConJur — Recentemente, um procurador da República pediu o apoio da população para forçar a Alerj a autorizar a prisão dos deputados Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Melo. Cabe ao Ministério Público usar a imprensa para ganhar apoio a operações?
Eduardo Gussem
 —
Não. O importante é o Ministério Público compartilhar com a sociedade tudo o que acontece, e a imprensa é um veículo importantíssimo para isso. Sou muito favorável a comunicar tudo o que acontece, mas com cuidado, serenidade, objetividade, sem adjetivações. Nesse sentido, a colocação do colega do Ministério Público Federal é relevante, mas essa intervenção deve ocorrer sempre com serenidade e objetividade.

ConJur — Recentemente, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que o governo estadual do Rio não controla a Polícia Militar e que o comando da corporação está associado ao crime organizado. Como o senhor avaliação essa declaração? O ministro falou a verdade?
Eduardo Gussem
 –
No aspecto político, a declaração foi muito infeliz. A forma como ela foi posta foi infeliz. Eu imediatamente oficiei o ministro pedindo dados concretos sobre o que ele havia posto e não obtive resposta. Mas, se isso realmente isso for verdadeiro, é algo muito sério, que tem que ser apurado - inclusive pelo MP-RJ.

ConJur — Quais os maiores desafios do Ministério Público no combate à criminalidade no Rio de Janeiro?
Eduardo Gussem
 —
O principal desafio do Ministério Público é alcançar a necessária sinergia na atuação dos distintos órgãos incumbidos da segurança pública. Ações articuladas de forma conjunta tendem a potencializar os resultados obtidos, aumentando o nível de eficiência na atuação estatal. Além disso, o MP desenvolve investigações próprias. E há uma tendência a profissionalizar essas investigações, para que elas se robusteçam. O instituto da colaboração premiada ajuda nesse sentido.

ConJur — A delação premiada tem se revelado um instrumento crucial para as operações contra organizações que praticam crimes de colarinho branco. Mas ela vem sendo utilizada para outros delitos, como tráfico de drogas?
Eduardo Gussem
 —
A Lei das Organizações Criminosas autoriza a celebração dos acordos em todos os ilícitos praticados por organizações criminosas. Com o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes não é diferente. Os requisitos são similares, o mesmo ocorrendo com as consequências, que devem ser estabelecidas conforme as peculiaridades do caso concreto. E o MP-RJ já vem aplicando a delação em alguns casos de tráfico.

ConJur — E quais são as diferenças de se fazer uma delação em caso de tráfico de drogas? Alguns críticos falam que é muito mais simples fazer colaboração premiada em caso de crimes financeiros ou contra a Administração Pública, que geralmente não envolvem risco de vida para o delator. Sendo assim, como é fazer uma delação em caso de tráfico, cujos operadores são notoriamente mais violentos?
Eduardo Gussem
 —
É mais difícil chegar nas estruturas principais da organização criminosa, até porque é um instituto novo, que começou a ganhar dimensões maiores no Brasil a partir de 2014. E isso é bem mais fácil em crimes financeiros e contra a Administração Pública, porque, de alguma maneira, há provas obtidas através da apreensão de computadores, telefones, contratos e até estruturas dentro de empresas.

ConJur — Um ponto previsto na Lei das Organizações Criminosas, mas que não vem sendo muito aplicado na operação “lava jato”, é a inclusão do delator no Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas. Essa medida vem sendo aplicada em colaborações envolvendo tráfico de drogas?
Eduardo Gussem
 —
Hoje em dia há uma dificuldade muito grande inclusive da manutenção do programa de proteção à testemunha. Então, temos tido dificuldade em ampliá-lo. Infelizmente, porque seria de extrema importância.

ConJur — Há pouco, o MP-RJ moveu ação de improbidade administrativa contra executivos da Odebrecht que firmaram acordo de delação premiada. Se os efeitos da delação premiada valessem para a União e todos os estados, e para todas as instâncias administrativas, o instituto seria mais eficaz?
Eduardo Gussem
 —
Um mecanismo bem eficiente é o compartilhamento de provas. O instituto da delação premiada, como eu já disse, é muito novo. Então, naturalmente ele passa por um período de adaptação. Nisso, as estruturas vão conversando, e os tribunais superiores vão balizando.

ConJur — A Resolução 181/2017, assinada nos últimos dias da gestão Rodrigo Janot na PGR, define que membros do Ministério Público podem fechar acordo de não persecução penal quando crimes foram praticados sem violência ou grave ameaça. Se o suspeito confessar o delito, fica livre de denúncia sem qualquer homologação judicial. Essa medida poderia ser implementada por resolução? E ela não viola o princípio da obrigatoriedade da ação penal?
Eduardo Gussem
 —
A impossibilidade de o acordo de não persecução penal ser inserido, no direito brasileiro, via resolução, é justamente um dos argumentos utilizados nas duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal. Na medida em que a temática está imbricada com o direito processual penal, de competência legislativa privativa da União, por seu órgão competente, o Congresso Nacional, é bem provável que a inconstitucionalidade seja reconhecida. Quanto ao princípio da obrigatoriedade, os bons resultados obtidos com os acordos de colaboração premiada bem demonstram a necessidade de repensá-lo.

ConJur — Se há necessidade de se repensar o princípio da obrigatoriedade da ação penal, por ora, os acordos de delação premiada e de não persecução penal violam esse preceito?
Eduardo Gussem
 —
Não, não violam em hipótese alguma. Essa evolução do direito é fundamental. No passado, e eu me formei nessa linha, vigorava o princípio absoluto da indisponibilidade da ação penal, e em hipótese alguma se falava em transação penal, como passou a acontecer a partir dos anos 90. Mas ela veio com muita força. Inicialmente, com a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995). Agora, há essa possibilidade de evolução legislativa também no aspecto do princípio da obrigatoriedade da ação penal. São passos gradativos que o legislador pátrio vai dando, e os tribunais vão balizando. E isso é importantíssimo para situarmos a Justiça nos padrões modernos, de acordo com as necessidades do momento.

ConJur — Recentemente, entrou em vigor a Lei 13.497/2017, que torna hediondo o crime de posse ou porte ilegal de armas de fogo de uso restrito, como fuzis. A seu ver, a alteração ajudará a reduzir o número dessas armas no Rio?
Eduardo Gussem
 —
Mais que a imposição de restrições no cumprimento da pena, o combate à criminalidade exige uma política criminal que modernize os instrumentos de investigação e diminua o tempo de tramitação das ações penais. Além disso, é preciso que os instrumentos existentes sejam efetivamente manejados. Como o Rio de Janeiro não conta com indústrias voltadas à fabricação de armas de guerra, é fácil concluir que nossas fronteiras ficaram desguarnecidas nas últimas cinco décadas. Somente com a potencialização das atividades de polícia e de persecução penal será possível alcançar os responsáveis pelo tráfico de armas e de munições.

ConJur — O aumento de penas e a fixação de regimes mais rígidos de cumprimento delas realmente inibe a prática de crimes?
Eduardo Gussem
 —
Eu creio que sim. Agora, acima de tudo, o efetivo cumprimento da pena. Isso é fundamental. E, no Brasil, temos tido uma dificuldade muito grande com isso, até por posicionamentos dos tribunais superiores que, de alguma maneira, vulnerabilizam a própria prisão ou a aplicação das penas. Agora, essas questões, principalmente das drogas e dos fuzis no Rio de Janeiro, têm dimensões maiores, porque sabemos que o Rio de Janeiro não tem fábricas de armamento pesado e não produz drogas. Então, a iniciativa da procuradora-geral da República [Raquel Dodge] de firmar um protocolo nesse sentido foi de extrema relevância. E de muita coragem também, porque é através do fortalecimento da fiscalização das nossas fronteiras e dos nossos aeroportos que vamos conseguir, sem maiores confrontos, coibir o ingresso de drogas e de armamentos pesados na cidade e no estado do Rio de Janeiro.

ConJur — Alguns especialistas defendem a descriminalização das drogas como medida para reduzir o número de homicídios e a superlotação carcerária. O que o senhor pensa dessa proposta?
Eduardo Gussem
 —
A descriminalização do uso de entorpecentes passa pela análise dos seus efeitos na saúde humana e nos reflexos que a plena liberdade de comercialização e uso poderão gerar no ambiente sociopolítico, a começar pelo seu principal núcleo: a família. Esse é um tema que merece uma reflexão social profunda e, decididamente, não se esgota no campo jurídico. É um assunto que deve ser visto com muito cuidado, por todas as frentes que lhe dizem respeito, porque um passo mal dado pode significar um retrocesso grande.

ConJur — No fim de julho, o MP-RJ sediou audiência pública sobre segurança pública. Como está o andamento dos temas e propostas que foram discutidos na ocasião?
Eduardo Gussem
 —
O MP-RJ tem procurado ouvir os mais diversos segmentos sociais a respeito da forma de estruturação e dos efeitos da política de segurança pública adotada no Estado nas últimas décadas. Dessa ação resultam informações relevantes, indutoras para a formação de um diagnóstico dos problemas existentes em cada estrutura de poder competente para atuar no caso. No âmbito do Ministério Público do Rio de Janeiro, dispomos de poderosa ferramenta digital, denominada MP em Mapas, que congrega informações bastante diversificadas, inclusive na área de segurança pública, que, paulatinamente, vêm sendo disponibilizadas à população, de modo a contribuir, também, com o desenvolvimento de uma ideologia verdadeiramente participativa. O Grupo de Segurança Pública do MP-RJ também acompanha o assunto, especialmente por meio do projeto Semear, que prioriza a mediação de conflitos. Tivemos, inclusive, reuniões com mulheres de policiais militares naquela ocasião da eminência de greves nos batalhões [em fevereiro de 2017]. Temos obtido bons resultados nesse sentido.

ConJur — O MP-RJ propõe mudanças legislativas com base nessa atuação com segurança pública?
Eduardo Gussem
 —
Nós mais subsidiamos as comissões do Congresso Nacional. Vários membros do MP-RJ integram comissões a convite de parlamentares. Recentemente, participamos da elaboração do Novo Código de Processo Civil e de questões empresariais. Isso é muito importante, é uma forma de o MP contribuir com o avanço legislativo.

ConJur — Em setembro, o MP-RJ sediou o evento “A Segurança Pública como Direito Fundamental”, que teve painéis como “Desencarceramento mata” e “Bandidolatria e democídio”. Posteriormente, foi lançado um manifesto contra a “bandidolatria” e o “democídio”. Assinado por mais de 180 promotores e procuradores de todo o país, o documento afirma que o ordenamento jurídico brasileiro dá garantias demais aos “criminosos”, o que asseguraria a impunidade e os estimularia a continuar cometendo crimes. O senhor concorda com esse argumento? Por quê?
Eduardo Gussem
 —
Esse é um tema extremamente polêmico. Aqui no MP-RJ nós temos colegas de correntes antagônicas nesse sentido. Sem dúvida alguma, nós temos uma legislação muito leniente em vários aspectos. Nós temos que refletir muito sobre tudo que acontece, a intensidade em que acontece. Sabemos que a nossa polícia mata muito, mas sabemos que o nosso policial morre muito também e tem condições para atuar péssimas, faltando coletes à prova de bala, armamento. Chama muito a atenção o volume de armamento pesado que está na mão da bandidagem. Repito: a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi muito corajosa ao enfrentar essa questão e eu tenho certeza que nós conseguimos solucionar uma grande parte desses problemas se conseguirmos intensificar as fiscalizações em nossas fronteiras e aeroportos.

ConJur — O senhor poderia me dar alguns exemplos de pontos em que a legislação brasileira é leniente?
Eduardo Gussem —
 Ela é pródiga em recursos, até na interpretação da própria lei nós temos sido muito favoráveis a determinadas situações que eu tenho certeza que, em outros países, o rigor é muito maior.

ConJur — Esse mesmo evento teve como palestrantes o blogueiro Alexandre Borges, diretor do Instituto Liberal e colunista do site Reaçonaria; o engenheiro e ativista Roberto Motta; e o aluno de Direito Kim Kataguiri, coordenador do Movimento Brasil Livre. A escalação deles foi criticada, uma vez que nenhum deles é especialista na área e todos defendem medidas populistas e superficiais, segundo estudiosos do assunto. Por que o MP-RJ convidou esses palestrantes? Eles representam a visão da instituição sobre segurança pública?
Eduardo Gussem
 —
De forma alguma. Eles representam algum tipo de visão, e foi um evento aberto e democrático. E quem fez as seleções – e foram estruturas nossas aqui – buscou várias visões oriundas da sociedade. O direito de manifestação é livre, e nós aqui no MP-RJ lutamos muito por isso. Defendemos em outras estruturas e na nossa casa praticamos também. Então, o objetivo foi tão somente esse. De forma alguma nos vinculamos a qualquer posição dessas.

ConJur — Mas esses três não representam a mesma visão? Não pareceu ter muita pluralidade.
Eduardo Gussem
 —
Repito: a escolha não foi minha. Mas o evento em si transcorreu de forma harmônica, civilizada. Óbvio que com posições divergentes de alguns participantes, mas transcorreu da melhor forma possível com várias estruturas de correntes diversas presentes. E eu tenho certeza que ele contribuiu muito para esclarecimentos de questões relevantes. Esse era o nosso propósito acima de tudo: fomentar o debate.

ConJur — A Polícia do Rio é a que mais morre no Brasil, mas também a que mais mata. O MP-RJ tem falhado na fiscalização da atividade policial?
Eduardo Gussem
 —
O MP-RJ, no final de 2016, criou um grupo de atuação especificamente direcionado à área da segurança pública, denominado Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), com o objetivo de atuar como indutor da necessária interação dos órgãos que compõem o sistema de Segurança Pública do Rio: Polícia Militar, Polícia Civil, Secretaria de Estado de Segurança Pública, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Poder Judiciário. A ideia é promover mudanças gerenciais e de paradigmas que tornem as políticas de segurança pública mais eficientes e racionais, sempre parametrizadas na Constituição Federal de 1988. A instituição já adotou medidas com a finalidade de verificar as condições de trabalho dos policiais militares, a qualidade do treinamento a eles dirigida, assim como desenvolver trabalho voltado para a adoção de regras visando à prevenção do abuso e da violência desses agentes. Sem embargo dessas medidas, o grupo tem atuado nos casos de mortes decorrentes de intervenção policial, tendo oferecido, em poucos meses, 34 denúncias nos casos em que há indícios de execução. Percebe-se que violência policial e corrupção policial são duas faces da mesma moeda.

ConJur — Nesse sentido, a recente alteração legal para atribuir à Justiça Militar a competência para julgar integrantes das Forças Armadas que pratiquem crimes dolosos contra a vida de civis pode incentivar execuções em comunidades carentes no Rio?
Eduardo Gussem
 —
Não creio que possamos partir da premissa de que um ramo da Justiça, qualquer que seja ele, vá compactuar com a impunidade e, pior, com a inobservância dos direitos fundamentais.

ConJur — Como a plataforma digital MP em Mapas pode auxiliar no combate à corrupção e à criminalidade?
Eduardo Gussem
 —
O MP em Mapas tem como principal objetivo dar total transparência e visibilidade aos equipamentos públicos. Ela reúne dados georreferenciados, estatísticos e informações (externas, captadas na grande rede; internas, produzidas pelo Centro de Pesquisas do MP-RJ; e informações oriundas da Lei de Acesso à Informação). A tecnologia é o caminho mais rápido e curto para se combater a corrupção desenfreada que contaminou as estruturas públicas brasileiras.

ConJur — O senhor acredita que, com a tecnologia que facilita investigações, os políticos brasileiros cometerão menos crimes?
Eduardo Gussem
 —
Sou um otimista por natureza. Vivemos um momento de absoluta transformação. Alguns se mostram com dificuldades na adaptação a essa nova realidade. Os políticos do século XXI que continuarem agindo e gerindo instituições públicas com a mentalidade do século XX serão atropelados pelos conceitos e práticas do mundo moderno. O momento é dos dados abertos, do compliance. Há necessidade de os órgãos públicos praticarem cada vez mais a chamada transparência ativa, com a disponibilização de suas informações, independentemente de solicitações.

ConJur — Como o MP-RJ está se estruturando para esse novo cenário que estamos vivendo?
Eduardo Gussem
 —
No combate à corrupção endêmica existente em nosso estado, constituímos grupos de atuação que darão maior efetividade e celeridade aos processos. Anteriormente, os “grandes casos” ficavam atrelados às promotorias de Justiça e, em razão da complexidade, causavam verdadeiro transtorno ao andamento desses feitos nos órgãos de execução. Na esfera administrativa, iniciamos os procedimentos necessários para a certificação do gabinete do Procurador-Geral de Justiça, de modo que o órgão se habilite a receber o selo ISO (Organização Internacional para Padronização). Na prática, a medida representará a racionalização dos fluxos de trabalho e dos recursos humanos, com consequente economia de tempo na tramitação de feitos, além de conferir transparência, segurança e maior confiabilidade institucional. Também é importante a adoção de rotinas claras e transparentes, de modo a evitar dúvidas, por exemplo, sobre a condução de casos relevantes, especialmente aqueles que envolvam autoridades que gozem do foro por prerrogativa de função.

ConJur — Especialistas afirmam que a operação "lava jato" está espetacularizando demais o processo penal. O senhor concorda com essa crítica?
Eduardo Gussem
 —
A operação "lava jato" é paradigmática. Revolucionou a análise do instituto das provas no direito brasileiro. Embora conduzida com muito cuidado e responsabilidade, como se trata de algo novo e nunca vivenciado pelos atores que integram o sistema de justiça pátrio, é natural que ocorram pequenos equívocos. Caso, de fato, tenham ocorrido exageros, parecem-me insignificantes perto do resultado final de revelar as entranhas da corrupção existentes nas estruturas públicas brasileiras.

ConJur – Mas essa exposição na imprensa dos casos da “lava jato” não afeta a forma como o MP e o Judiciário atuam?
Eduardo Gussem
 –
Eu não vejo dessa forma. Essa exposição no sistema de Justiça brasileiro, que começou com a transmissão dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal pela TV Justiça, é uma forma de a sociedade participar mais diretamente de tudo o que acontece. Nós questionávamos muito que o cidadão brasileiro era muito cordato, mas, a partir dessas revelações, as pessoas vão começando a entender como as estruturas se movem. Eu espero que, nas eleições de 2018, os eleitores valorizem muito mais o seu voto, que é a sua resposta contra tudo isso que a gente enfrenta hoje em dia.

ConJur — Advogados criminais afirmam que a operação "lava jato" está rebaixando o direito de defesa no país. O senhor concorda com essa crítica?
Eduardo Gussem
 —
O direito de defesa, a exemplo dos demais direitos fundamentais, possui singular relevância para a subsistência do Estado de Direito. O complicador é que, vez ou outra, concebe-se um direito de forma absoluta, como se fosse um corpo amorfo e indiferente à ordem jurídica. São hipóteses que ora relegam o direito à defesa e ora destaca o direito à impunidade. Os excessos praticados – que, aliás, são próprios das ações humanas -, caberão ao sistema jurisdicional brasileiro dirimi-los, à medida que pródigo em instâncias e instrumentos aptos a contorná-los.

ConJur — Como o senhor avalia as 10 propostas contra a corrupção? Elas seriam eficazes em impedir a prática ou apenas restringiriam o direito de defesa dos acusados?
Eduardo Gussem
 —
O pano de fundo para o surgimento das 10 medidas de combate à corrupção é o histórico de impunidade que sempre acalentou os altos escalões do poder em nossa realidade social. Nosso desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre a efetividade da lei penal e a garantia de ampla defesa. Afinal, defesa não é sinônimo de impunidade em nenhum país civilizado.

ConJur — Mas as 10 medidas não desequilibram o jogo contra a defesa? Afinal, há propostas que relativizam a proibição de se usar provas ilícitas e limitam as possibilidades de concessão de Habeas Corpus.
Eduardo Gussem
 —
É óbvio que nós temos visões antagônicas com a defesa, e a defesa, cada vez mais, quer uma flexibilização da legislação, porque ela tem um objetivo que é a efetiva defesa dos seus clientes. Agora, acima de tudo, nós temos um compromisso com a boa aplicação da lei. E nós queremos ver essas leis devidamente aplicadas, e os transgressores serem efetivamente punidos. Creio que o propósito de todos que contribuíram para a elaboração desse regramento tenha sido esse.

ConJur — Muitos afirmam que alguns atos de procuradores da República, como a propositura das 10 medidas contra a corrupção e o pedido para que condenados por corrupção não possam receber indulto, são medidas políticas, que extrapolam a função do Ministério Público. Como o senhor enxerga essa questão?
Eduardo Gussem
 —
O Ministério Público é fiscal do ordenamento jurídico. Então, toda vez que ele se manifesta nesse sentido, está procurando, acima de tudo, fazer esclarecimentos, orientações. É uma manifestação natural, que se adequa ao Estado Democrático de Direito em que vivemos e às funções do MP.

ConJur — Com a operação "lava jato", integrantes do MP, como Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, têm virado símbolos do combate à corrupção. Como isso tem influenciado os integrantes do MP-RJ? Tem atraído mais gente para a carreira?
Eduardo Gussem
 —
Qualquer atuação do Ministério Público de grande impacto social serve de estímulo aos integrantes da carreira e àqueles que nela pretendem ingressar. Na primeira metade do século XX, por exemplo, a firme atuação de Roberto Lyra, um dos grandes expoentes do MP-RJ, pôs fim à tese, rotineiramente vitoriosa, de que o assassino da esposa adúltera sempre atuava coberto pela excludente de ilicitude da ampla defesa. Essa atuação produziu profundos efeitos em nossa organização social e estimulou o surgimento, no Ministério Público, de inúmeros tribunos. O mesmo ocorre nos dias de hoje.

ConJur — E esse maior protagonismo do Ministério Público tem gerado conflitos internos?
Eduardo Gussem
 
— Não, de forma alguma. Eu oriento principalmente as estruturas vinculadas ao gabinete do procurador- geral de Justiça, o grupo de atribuição originária e os demais grupos, a serem bem objetivos, bem diretos nas suas entrevistas. E eles acolhem essa orientação muito bem, sem adjetivações, sem panfletagem. E isso passa também por um período de amadurecimento da própria instituição. Não vejo nada que possa refletir negativamente na instituição. Com a própria “lava jato”, eu tenho certeza que os ganhos são muito maiores que qualquer pequeno equívoco que possa ser questionado. Essa é uma linha que a defesa costuma usar muito para desconstruir um brilhante trabalho pragmático que esses procuradores da República e juízes federais vem realizando.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

 

Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2017, 9h46 - Site Conjur - A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet

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